Existe uma analogia que se costuma fazer entre os membros da família Porsche e suas criações sobre rodas. Se o Fusca foi projetado na década de 1930 pelo Dr. Ferdinand Porsche; o Porsche 356 foi criado por seu filho, Ferry Porsche; e o 911 foi projetado pelo neto, Alexander “Butzi” Porsche; então o Fusca é, de certa forma, o avô do Porsche 911.
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Mas há outro carro que foi projetado por Ferdinand Porsche na década de 1930 que, de certa forma, também merece este título: o Type 64. Além de já trazer diversas características que seriam vistas no 356 e no 911, ele foi o primeiro veículo na história a receber a marca Porsche. Mas se fala muito pouco a seu respeito – o que é uma injustiça, considerando sua importância histórica.
O Porsche Type 64 começou como uma proposta para um esportivo – era o que Ferdinand queria desde o início para o primeiro carro com seu sobrenome. Em meados dos anos 1930, ele foi contratado pelo governo alemã para desenhar o Volkswagen, que eventualmente se tornaria o Fusca, e imediatamente começou a pensar em uma versão esportiva para ele. O carro deveria ter uma versão de 1,5 litro e 50 cv do motor boxer de quatro cilindros usado pelo primeiro Fusca – que, no início de tudo, tinha apenas um litro e 25 cv.
Com uma carroceria de alumínio de perfil muito mais aerodinâmico, o esportivo imaginado por Porsche deveria ser capaz de atingir pelo menos 160 km/h. Mas havia um problema: a Volkswagen, então uma companhia estatal alemã, não podia vender componentes a uma empresa privada.
Em 1938, Ferdinand Porsche e seu filho Ferry decidiram redesenhar o projeto para usar apenas componentes Porsche – incluindo um motor V10 de 1.493 cm³ com arrefecimento líquido e 72° entre as bancadas de cilindros. O motor deveria ficar montado em posição central-traseira, e o carro seria usado para conseguir publicidade, por meio de corridas e recordes de velocidade.
Com o início da produção em série do Volkswagen, a ideia acabou colocada de lado por alguns meses. Até que, em agosto de 1939, três protótipos foram feitos pela carrozzeria Reutter – a mesma companhia que, dez anos mais tarde, seria encarregada de fabricar as primeiras unidades do Porsche 356. Os carros usavam o Fusca como base, sendo batizados Porsche Type 60 K10 – ou seja, era a décima versão de carroceria para o projeto Type 60, que era o código do Fusca. Ele também era chamado de Porsche Type 64 ou Aerocoupe.
A carroceria usava o projeto originalmente imaginado para o Type 114, com formas esculpidas em um túnel de vento. Daí seu perfil aerodinâmico, com para-lamas sinuosos e um cockpit estreito. O teto tinha caimento fastback e, visto de cima, o carro tinha leve formato de gota.
É inegável e indiscutível a influência que o desenho deste primeiro Porsche teve sobre os modelos seguintes, em especial o 356 – na identidade visual da dianteira e no contorno das janelas, por exemplo. O para-brisa era bipartido, e a traseira com um vigia oval e a grelha de admissão para o motor trazem o Fusca à mente – e, realmente, os dois não estavam tão distantes.
O motor boxer 1.5 acabou não acontecendo, mas a Porsche conseguiu preparar o motor 1100 do Fusca para entregar 33 cv. Era o bastante para atingir velocidades entre 130 km/h e 160 km/h, dependendo da configuração.
Foram feitos três exemplares entre agosto de 1939 e junho de 1940. O primeiro deles foi destruído em um acidente nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial – pelo que se conta, nas mãos de um oficial da SS.
Os outros dois permaneceram na família, para uso principalmente de Ferry Porsche, mas tiveram destinos diferentes. O carro nº 2 foi levado para um depósito em 1944, quando os Porsche precisaram exilar-se na Áustria para fugir da Guerra. Em 1945, com a Alemanha já ocupada pelos aliados, um grupo de soldados norte-americanos encontrou o carro. Eles cortaram fora o teto e abusaram do carro até acabar com o motor, mandando-o para um ferro velho quando não podia mais rodar.
O terceiro carro foi para a Áustria com a família Porsche, e seguiu sendo guiado por Ferry Porsche até 1949 – com direito a uma restauração realizada por ninguém menos que o estúdio Pininfarina. Depois, ele foi vendido para um homem chamado Otto Marthé, junto com os restos do carro destruído pelos norte-americanos.
Marthé participava de corridas de motos e carros desde 1929 – e foi em um acidente de moto que ele perdeu os movimentos do braço direito, passando a dedicar-se apenas aos carros de corrida. E foi assim, trocando as marchas e esterçando com apenas uma mão, que ele participou do Alpine Rally com seu Porsche Type 64, na França. Ele foi um dos 88 competidores a terminar a prova, realizada nas estradas nas montanhas dos Alpes Franceses, de 142 que largaram.
O Porsche Type 64 foi usado por Marthé pela última vez em uma corrida para carros clássicos em 1982. Depois disto, o carro foi guardado em um galpão, onde permaneceu até a morte de seu dono em 1995, aos 88 anos de idade. Dois anos depois, seus familiares o venderam a outro colecionador, Thomas Gruber, que mandou restaurá-lo em 1998. Ele é o carro verde que aparece na foto abaixo.
O outro carro – o que foi “reaproveitado” pelos norte-americanos – também acabou recuperado décadas depois. Ele é o carro preto, que atualmente fica exposto no Petersen Automotive Museum em Los Angeles, na Califórnia.
Talvez por ser uma espécie de projeto paralelo de Ferdinand e Ferry Porsche, o Type 64 não costuma ser muito exaltado pelas fabricantes, e nem pelos entusiastas. Apesar disso, sua importância para a construção da imagem da Porsche não pode ser subestimada. A própria Porsche reconheceu isto em meados da década passada, quando encomendou uma maquete em tamanho natural para o seu museu, em Stuttgart.