A novela “Táxis vs. Uber” em São Paulo parecia estar perto do fim depois que o prefeito Fernando Haddad afirmou que o aplicativo seria regulamentado na capital paulista. Mas agora a história teve uma reviravolta: nos últimos dois dias o prefeito de São Paulo sancionou a lei aprovada pela câmara, que proibia o Uber na cidade e em seguida anunciou as novas regras do transporte público individual, “regulamentando” o Uber.
Na verdade, o que a prefeitura anunciou na tarde desta última quinta-feira (8) foi a criação de uma nova categoria de táxis, e não exatamente a regulamentação do Uber. Esta nova categoria, chamada de “Táxis Virtuais” exige que os carros sejam pretos, tenham bancos de couro, ar-condicionado e até cinco anos de uso — as mesmas exigências do Uber.
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Diferentemente dos táxis convencionais, esses carros não usarão taxímetro: a cobrança será feita pelo respectivo aplicativo, com valor máximo estabelecido pela prefeitura (25% acima dos táxis comuns) e o percurso deverá ser exibido em uma tela digital. Além disso, esses novos táxis também só poderão ser chamados por seus respectivos aplicativos “para não concorrer com os táxis comuns” segundo a prefeitura.
Até aqui, tudo indica que os motoristas do Uber precisariam apenas adequar seus carros às exigências da prefeitura por meio de algum tipo de cadastro. Mas não será exatamente desta forma. A prefeitura também exigirá o pagamento de uma licença de funcionamento semelhante à dos táxis, porém com validade máxima de 35 anos, e não vitalícia como a do táxi comum. Segundo a prefeitura, o preço ainda não foi definido, mas poderá chegar a R$ 60.000. Com isso, os carros do Uber terão que usar placas vermelhas, como os táxis.
O edital para credenciamento dos novos “táxis virtuais” será publicado em cerca de dois meses, e os aplicativos interessados precisarão se inscrever na concorrência pública. Como já acontece nos táxis, o número de licenças será limitado. Inicialmente serão 5.000 novas licenças — 2.500 delas serão destinadas para quem já trabalha como motorista com carro ou alvará alugado, e outras 2.500 para novos motoristas.
O que o Uber diz?
Diante da nova regulamentação o Uber publicou uma nota dizendo que os motoristas parceiros da empresa prestam serviço de transporte individual privado (caráter usado no slogan da marca, acima), e não público como vem sendo tratado. Segundo o Uber, essa modalidade — o transporte privado — está previsto pela Política Nacional de Mobilidade Urbana e por isso continuará operando normalmente em São Paulo. O Uber ainda afirmou que não é uma empresa de táxis e que, por isso, não se encaixa em nenhuma categoria de transporte individual público.
Além disso, a empresa veiculou uma campanha publicitária na última semana para pressionar a regulamentação do serviço. Em uma das peças, um vídeo apresentado por Marina Person, a empresa afirma que criou 5.000 empregos para motoristas no Brasil, e pedia que o prefeito vetasse o projeto que proíbe o Uber. Como vimos, a campanha não foi suficiente.
Então acabou?
Ao que tudo indica, a novela não acabará por aqui. Segundo o portal Uol, a ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi, afirmou que só uma lei federal pode proibir o Uber. Segundo Fátima, as recentes decisões para regulamentar ou proibir o Uber não devem resistir a pedidos de contestação enviados ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, Fátima distingue os serviços de táxi e do Uber: “O táxi é transporte público individual, que deve atender de forma universal os passageiros, enquanto o Uber é um transporte privado individual, no qual impera a autonomia da vontade do motorista, de acordo com sua conveniência”. Por fim, a magistrada menciona o sexto fundamento do Marco Civil da Internet, que preza livre iniciativa, livre concorrência e a defesa do consumidor.
Como dissemos nos parágrafos acima, na prática a regulamentação transforma o Uber em um mero método de pagamento e seus motoristas em taxistas comuns, sujeitos à regulação do Estado. Além disso, o benefício do Uber é justamente oferecer uma alternativa com melhor relação custo/benefício aos passageiros. Qualquer tentativa de impedir a concorrência com os táxis comuns estará, na verdade, impedindo o único benefício do serviço. Se a intenção é melhorar a mobilidade urbana, a proibição do Uber e a limitação dos táxis é um passo para trás, dado que segundo levantamentos da própria prefeitura de São Paulo, cerca de 40% dos chamados de táxis não são atendidos por falta de disponibilidade de carros.
Por último, é no mínimo anacrônico vender licenças de 35 anos para um serviço baseado na evolução da tecnologia. Você consegue imaginar como serão os celulares e o transporte daqui a 15 ou 20 anos? Então como exigir que alguém invista um bocado de dinheiro em algo de futuro incerto? O Uber não é apenas um carro preto de luxo com banco de couro, contratado e pago pelo celular. Ele é uma disruptura que mostra que a tecnologia chegou a um ponto em que poderíamos dispensar a regulação do Estado. Aparentemente não será assim fácil.