Ano passado tive a oportunidade de participar de uma Conferência nos EUA que, além de extremamente produtiva, acabou me rendendo uma viagem de férias para o Alasca. Ela foi tão boa que acabou mudando minha maneira de pensar e ver a vida.
Assim, quando propus novamente ao RH do trabalho da minha participação desta mesma Conferência em San Diego e a proposta foi aceita, não tinha como não planejar outra viagem daquelas memoráveis. Ano passado, um dos roteiros que cogitei foi alugar um carro em Phoenix e ir dirigindo até o Colorado, passando por Pikes Peak.
Desta vez a decisão foi mais fácil, já que Firas, um amigo feito nos bancos do Departamento de Engenharia Elétrica da UnB, havia se mudado há alguns meses para Denver com Natalie, sua esposa, e eles gentilmente me ofereceram hospedagem em sua casa, caso optasse pelo Colorado. A minha decisão ficou fácil depois disso.
Sendo assim, precisava apenas comprar as passagens ida e volta de San Diego para Denver e partir para passar alguns dias com eles. E sendo um cara absolutamente apaixonado por estradas, por concordar e compartilhar de experiência parecida à que o Leo Contesini descreveu brevemente aqui, eu não ia deixar mais essa oportunidade passar em branco!
Quando combinava com Firas o que faríamos no período e propus um roteiro pelas Rochosas, tanto ele quanto Natalie ficaram muito entusiasmados com a ideia, já que eles não tiveram, até aquele momento, oportunidade de conhecer as montanhas. Aliás, eles mesmo propuseram visitar o Rocky Mountain National Park em um dos dias do fim de semana, já que haviam dito para eles que o local era deslumbrante.
E de fato é!
Mas antes de continuar essa história, deixa eu contar do aluguel do carro. Firas se prontificou a nos levar no carro dele. Eu, como bom fominha de estrada, falei que não precisava! Eu fazia questão de levá-los em um carro maneiro que eu pretendia alugar. A ideia era aproveitar a grana que não seria gasta na hospedagem e alugar um BOM carro. Meus únicos requisitos eram: ter espaço para motorista e dois passageiros, ser americano, ter alguma pegada esportiva e ser movido por um bom V8 potente, torcudo e sedento por de suco de dinossauro. God bless ‘Murica, afinal!
Pesquisando muito, achei os melhores preços na Hertz, o que me deixou esperançoso, já que a categoria que havia reservado era a Adrenaline Collection. Essa categoria, além de ter Camaro, Corvette e Dodge Challenger, também era a mesma do Mustang. E sendo a Hertz, havia a chance de ter disponível um dos icônicos Shelby Mustang GT-H, já que eles adquiriram um lote deste último modelo customizados pela famosa preparadora americana, na também icônica combinação preta com faixas douradas.
Então, na tarde de sexta-feira quando desci em Denver, peguei minha mala correndo (foi uma das últimas a chegar na esteira, obrigado, Major Edward Aloysius Murphy) e fui até o ponto onde o ônibus da locadora nos busca para levar ao pátio de retirada e devolução dos carros. Não sei o porquê disso, mas a sensação de ansiedade que eu senti era muito parecida quando a gente está apaixonado pela menina mais bonita da escola, toma coragem, chama ela para sair e ela surpreendentemente diz “sim”: frio na barriga, boca seca, mãos geladas e suando e a perna insistentemente agitada. E não havia aparentemente nenhuma explicação para aquilo, já que eu estou mais do que acostumado a alugar carros e já peguei outros exemplares muito rápidos e de luxo em outras ocasiões. Talvez estivesse antevendo o que estaria por vir.
Ao chegar, alguns problemas para localizar o carro e concluir a operação fizeram com que ela demorasse bem mais que o usual (obrigado novamente, major Murphy). Nesse interim, perguntei se tinha algum Shelby Mustang GT-H disponível, e a resposta foi que agora somente em Las Vegas e em algumas cidades da Califórnia. Fiquei um pouco chateado, mas tudo bem. “E qual vai ser meu carro, senhora?”. “Vai ser um Dodge Challenger”. Das Big Three ianques, confesso que os Mopar são os que mais curto, então voltei a ficar animado e com frio na barriga!
Enquanto isso nada do carro chegar. Àquele momento, para tentar aliviar a impaciência, eu já havia saído da loja e dado uma volta no pátio, e havia avistado bem pertinho dali um Challenger R/T octane red com rodas grafite que achei maravilhoso. Estava quase falando com a atendente para me dar aquele logo que eu queria cair na estrada! Mas o carro que ela me entregou era ainda mais simbólico que um Shelby GT-H, e eu só me dei conta depois de postar uma foto dele no grupo fechado dos crowdfunders do FO e ler o primeiro comentário, do Juliano Barata: GO KOWALSKI!
O carro que eu vi era idêntico a esse
Mas saí de lá com esse
Estava iniciando uma roadtrip numa sexta-feira em Denver com um Dodge Challenger R/T Hemi white knucle, sem racing stripes e capô com as duas entradas baixas de ar. Soa familiar?
Caramba, agora o Kowalski sou eu!
Se você estava em coma desde sempre e acordou milagrosamente agora há pouco, em 1971 foi lançado o filme Vanishing Point (em português: Corrida Contra o Destino), onde um renegado chamado Kowalski (apenas Kowalski), interpretado por Barry Newman, é empregado de uma empresa de entrega de carros e recebe a tarefa de levar um Dodge Challenger R/T Hemi branco e sem Racing stripes de Denver a São Francisco. Perto da meia noite de uma sexta-feira ele compra anfetaminas e faz uma aposta com seu amigo e traficante que consegue chegar em Frisco até as 3 da tarde do dia seguinte. O filme se tornou um cult especialmente entre os que gostam de carros por ser quase inteiramente preenchido por cenas de estrada e perseguições do Dodge branco e seu motorista.
Então, para honrar o espírito do Kowalski, peguei o carro e saí em disparada para a casa do Firas, nos subúrbios de Denver. Em determinados momentos, se tivesse polícia por perto certamente seria perseguido e preso. Mas passada a empolgação do momento, reduzi o ritmo e fui curtindo as planícies até chegar onde iria passar os próximos dias.
Já perto de meio-dia do sábado (a sexta-feira foi louca!), fomos ao norte em direção ao Rocky Mountain National Park. Esse Parque Nacional fica bem pertinho de Boulder, sendo que a entrada é na cidadezinha de Estes Park. Chegando lá resolvemos almoçar antes de começar a percorrer a US Route 34 dentro do Parque, no trecho conhecido como Trail Ridge Road.
Paisagens montanhosas assim são muito raras, se não impossíveis de achar no Brasil. Então enquanto eu dirigia devagar e com os vidros e teto solar aberto, deixei que meus amigos fotografassem. Aproveitei a carona para deixar que eles tirassem algumas fotos por mim enquanto os conduzia e curtia o caminho à frente.
Essa estrada possui vários pontos com estacionamentos onde dá para parar e curtir a vista. Esse é um tipo de lugar tão bonito que é muito difícil de errar uma foto. Nessa hora eu tomei a câmera de volta da mão deles e passei a eu mesmo fotografar não só as montanhas, os pinheiros e alguns animais que vimos pelo caminho, mas também o carro, que formava um conjunto improvável, mas belíssimo naquela cena.
Numa dessas paradas, logo no início do passeio, conhecemos Marleen, uma Detroiter que estava em Denver para um congresso e resolveu aproveitar o último dia de viagem à nossa maneira – alugou um carro e botou o pé na estrada! Ela foi tão simpática, estava tão perdida, e a afinidade mútua foi tão alta que acabou rendendo a ela um convite para nos seguir, prontamente aceito! Ela acabou nos acompanhou até à noite, quando pegou outro rumo ao entrarmos na Interstate 25. Ela acabou se mostrando uma pessoa muito divertida, e certamente seu jeito expansivo, simpático e cheio de tiradas engraçadas acabaram por deixar nossa experiência mais rica. Assim como Kowalski, que deu carona para algumas pessoas durante sua jornada, eu acabei por fazer o mesmo, de uma maneira diferente. Afinal, essa experiência Kowalskiana não estaria completa sem conhecer algumas pessoas no caminho!
Já perto do fim do nosso ponto final na subida da US-34, chegando na entrada da Tundra Communities Trail (nossa última parada no parque, começamos a descer a partir deste local), a aproximadamente 3.700m de altitude, comecei a me sentir mal. Fiquei com dor de cabeça, sentia meu pulso acelerado, ligeiramente tonto e tive uma dor no tórax como se meus pulmões quisessem se expandir além do limite das costelas, sendo impedido por elas. Estava com o mal da montanha. Apesar da temperatura agradabilíssima do ar puro das montanhas (por volta de 10°C) ficou difícil de respirar. Ainda assim tive um pouco de lucidez para fazer mais algumas fotos do carro, enquanto meus amigos faziam um pit stop para voltarmos para casa.
Nada sério e, ao voltar a descer, todos os sintomas desvaneceram. Porém isso era um sinal do que nos aguardava no dia seguinte.
Após acordarmos já meio tarde (o sábado foi louco!), tomamos café da manhã e partimos direção sul pela mesma I-25 que nos levou ao Rocky Mountain no dia anterior. Dessa vez, devido à distância, andaríamos bem mais. Então, pouco antes do meio dia, saímos em disparada rumo à montanha mais gearhead do mundo.
Pikes Peak!
Pikes Peak é um dos 96 picos nos EUA chamados de fourteneers (montanhas com mais de 14 mil pés de altitude). Primeiramente chamado de “Tava” pela tribo Ute, que habitava as planícies e montanhas da região desde antes de 500 a.C., posteriormente foi renomeada para “Heey-otoyoo’” pelos Araphao após a chegada deles na região no século XIX. Depois de ser designada pelos exploradores espanhóis como El Capitán, ainda no século XIX recebeu a alcunha de Pike’s Peak, em homenagem ao explorador Zebulon Pike, que realizou uma expedição em 1806 à montanha para tentar atingir seu cume. Em 1890 o Conselho sobre Nomes Geográficos, um departamento da Secretaria do Interior dos EUA (órgão esse correspondente ao Ibama e Instituto Chico Mendes no Brasil), simplificou para Pikes Peak, nome utilizado desde então.
Não fomos muito apoiados pelo destino, já que os blue, blue meanies on wheels estavam atendendo a uma ocorrência de acidente na I-25 pouco antes de Colorado Springs. Apesar de ser no sentido norte, contrário ao que seguíamos, as pessoas estavam passando muito devagar pela zona do acidente, o que provocou um enorme congestionamento por onda de choque. O fenômeno de curiosos querendo ver a desgraça alheia não é só brasileiro, afinal.
Passado o acidente, nada mais nos impedia de chegar no nosso destino. Tomamos a US-24 Oeste em Colorado Springs e seguimos por quase 11 milhas (17 km) até a entrada do Parque. Porém não contávamos que a montanha estaria lotada de turistas. Só para vocês terem uma ideia, depois descobri que Pikes Peak é a segunda montanha mais visitada no mundo, perdendo apenas para o Monte Fuji. Então para quem espera ler daqui para frente uma subida à Climb Dance, colocando a barca de lado e abusando do V8 5.7 Hemi moderado pela caixa Torqueflite (ZF) de 8 marchas, lamento informar, mas não é possível subir desse jeito por conta do movimento, especialmente nos fins de semana.
Para se ter uma ideia, no topo da montanha não há estacionamento suficiente para o fluxo de carros, então, existem dois pontos onde, dependendo da lotação, você é obrigado a estacionar e tomar um shuttle bus até o topo. O primeiro deles é no ponto chamado de Glen Cove, a pouco menos de 7 milhas (11 km) do topo. Lá, além de um grande estacionamento, há uma lanchonete e loja de souvenir. O segundo fica a pouco menos de 4 milhas (6 km) e se chama Devil’s Playground e é apenas um descampado onde foi feito um bolsão de estacionamento. Ambos os locais são bastante populares para assistir a prova de subida de montanha mais antiga e famosa do mundo.
Após pagar a entrada e começar a subida, lemos um aviso que confesso que me deixou preocupado. Há uma recomendação expressa lá, que não havíamos visto antes de entrar, que era de estar com mais de meio tanque de combustível. Como a subida possui gradiente médio de 7% e a velocidade de subida é baixa, variando entre 20 e 30 mi/h (32 e 48 km/h), o motor acaba trabalhando sob alta carga, o que aumenta bastante o consumo. Estávamos com 3/8 de combustível, mas um motor V8 e um carro pesado numa condição dessa com certeza era melhor ter mais gasolina no tanque. Mas àquele momento era tarde demais para dar meia-volta.
Começamos a subida e eu alterei a tela maior do quadro de instrumentos (entre o conta-giros e o velocímetro) para mostrar o consumo instantâneo e o visor menor na parte superior à esquerda, colado com o conta-giros, para mostrar a autonomia. Isso na verdade acabou me deixando ansioso e meus amigos ficaram preocupados. Escutei umas duas vezes um “tem certeza que dá pra ir e voltar com esse combustível?”, no que respondi, com a arrogância mais boboca e juvenil do mundo, enquanto mentalmente roía as unhas: “deixa comigo, eu manjo desses ‘paranauê’”!
Continuando a subida, passamos por Glen Cove e a rodovia montanha acima estava aberta. Bom sinal! Quando chegamos ao Devil’s Playground e a funcionária do parque mandou a gente prosseguir, confesso até que fiquei em dúvida e parei para perguntar. Após a confirmação dela, prossegui com a marcha e brotou um baita sorriso no meu rosto. Estava dirigindo rumo ao topo!
Chegando lá, novamente apareceram a dor torácica, de cabeça, a dificuldade para respirar e os batimentos cardíacos aumentando. Também estava bem frio no cume (o termômetro externo do carro marcava 45°F, o que dá 7,2°C). Eu acho até que fez mais frio que isso, mas somente usando uma bermuda e uma camiseta bem conhecida, não era parâmetro para muita coisa.
Mal havíamos descido do carro e escutamos nas caixas de som externas à lanchonete e loja de souvenir um aviso de um Park Ranger, que falou mais ou menos o seguinte: ALERTA DE TEMPESTADE DE RAIOS, ABRIGUEM-SE NA LOJA OU ENTREM NOS CARROS. VOCÊ PODE MORRER SE FICAR AQUI AGORA!!!
Quase ao mesmo tempo começou a cair do céu o que pareciam ser flocos brancos bem pequenos. Neste momento, Natalie e Firas começaram a conversar um diálogo bem surreal para um cara que havia saído, há dois dias, do sul da Califórnia no verão: “Isso é neve, Firas?”. “Acho que não, Natalie, tá quente aqui!”. “É verdade, isso é granizo! Ufa!”. Como é?! Ufa, é granizo?! Tá fazendo, sei lá, 0 grau, eu tô de camiseta e bermuda, começa a CAIR GELO DO CÉU e vocês falam ufa!? Bem, isso foi o que eu pensei, mas eu não esperei o Ranger falar de novo, pois morrer atingido por um raio, ou ficar curtindo minhas mãos doendo de frio não estavam nos meus planos, e eu saí correndo para me abrigar na loja.
Depois de nos reencontrarmos lá dentro, fomos finalmente almoçar. Aqui, uma decepção: a comida era muito ruim. Mesmo. Conseguiram errar um cheeseburguer! Foi um almoço burocrático, comemos apenas para aplacar a fome. Até mesmo os donuts feitos lá, que – de acordo com eles – era uma especialidade da casa, estavam sem gosto e encharcados de gordura.
Mais rápido que a Michèle Mouton subiu a montanha em 1985, cessou a tempestade de granizo e o chão ficou branco, parecendo neve. Porém o granito rosa que compõe a montanha estava tão quente que o gelo derreteu mais rápido que o Ari Vatanen chegou ao topo em 1988. O tempo lá é meio que imprevisível e muda muito rapidamente.
Por falar em Race to the Clouds, outra decepção. A loja era abarrotada de souvenires de todos os tipos: bonés, camisetas, agasalhos, ímas, canecas, etc. porém, a única coisa que remetia à corrida era um cartão postal que reproduzia uma foto antiga de um carro de corrida subindo a montanha. Assim como dezenas de fotos, dois ímãs, um boné e o papel do shuttle bus, foram minhas recordações do local.
Apesar de todo o esforço para subir e a comida ruim, a ida valeu a pena. A vista do planalto e Colorado Springs de um lado, e as Montanhas Rochosas de outro é simplesmente fantástica e justifica a ida por si só. Ainda mais da maneira que vimos, com as chuvas caindo em partes do plano e o tempo claro nas montanhas foi realmente recompensador.
Outra curiosidade é que lá temos horário para descer. Até às 18h temos que passar novamente pelo portão de entrada. Então 17h30 a loja fecha e os clientes são obrigados a ir. Não precisamos de esperar isso tudo para começar a voltar. Aliás, isso também não nos contam, mas a vista da descida é maravilhosa! Não só eu, mas meus amigos também curtiram mais da experiência de descer do que de subir. Voltamos da mesma maneira que subimos: devagar, vidros e teto solar abertos, música bem baixinha e curtindo cada minuto daquele passeio.
Em Glen Cove há uma parada obrigatória. Na subida, um posto de checagem abre ou fecha a estrada adiante de acordo com a lotação do estacionamento do cume e de Devil’s Playground. Já na descida, no mesmo local um Park Ranger com um termômetro infravermelho mede a temperatura dos freios dianteiros de todos os carros. Caso você os tenha fritado nas primeiras milhas da descida e eles estejam acima de 300°F (aproximadamente 149°C), você é impedido de prosseguir e precisa fazer uma parada até que eles resfriem abaixo desse patamar.
De Glen Cove até a entrada é uma descida íngreme de 11,5 milhas (18,5 km) cheio de curvas fechadas e um belo e alto penhasco. Definitivamente não é um bom lugar para provocar fading nos freios. O Ranger educadamente puxa a orelha dos que estão acima do limite de temperatura e explica como descer a montanha. Câmbio em Low ou no controle manual sem deixar passar da terceira marcha, e deixa que o motor segura o ímpeto do carro em ganhar velocidade.
Quando cheguei nesse ponto de checagem, o Ranger mediu a temperatura dos freios do Dodge e disparou: “Eu sabia que vocês estavam ok pois escutei o ronco do motor de longe. Quer saber quanto está seu freio? 75°F (23,9°C) senhor. Continue da mesma maneira e tenha um ótimo dia.”
De fato, não precisei tocar nos freios por toda a descida. Coloquei a caixa em modo manual e fiquei variando entre a 1ª e 3ª marchas. Quando chegava em um dos grampos, reduzia tudo e deixava o carro diminuir, na saída colocava a 3ª, esperava o carro atingir 30 mi/h (48 km/h) e reduzia para 2ª para manter a velocidade.
Ainda assim, acabei parando lá para tirar umas fotos. Voltei ao posto e conversei um pouco com o Ranger enquanto outros carros chegavam. Para se ter uma idéia, o Jeep das fotos chegou com os freios a mais de 450°F (232°C), o que é próximo do ponto de ebulição de um fluido DOT 5.1 normal. Se não houvesse aquela checagem mandatória, os ocupantes daquele carro não teriam um bom fim de tarde.
Ao sair do estacionamento, você é novamente obrigado a passar pelo posto. Mesmo o Ranger tendo medido anteriormente, tive que parar para que ele fizesse nova verificação. Não tem alívio, este é o procedimento e precisa ser seguido por todos, independentemente da circunstância. Dessa vez ele apenas mediu, nos deu boa viagem e autorizou seguirmos.
Perto da saída, uma nova parada para tirar fotos de onde acontece a largada e onde são montadas as estruturas das equipes. No resto do ano esse estacionamento serve de base para as vans e ônibus do shuttle, além de carros de serviço do Parque. Ainda fiz nova parada na entrada para mais algumas fotos, e também para procurar no celular o posto de gasolina mais próximo, já que provavelmente o que nos movia era apenas o espírito do Kowalski.
Paramos em Manitou Springs, no sopé das Rochosas, num posto estrategicamente posicionado na saída da estrada. Enquanto eu matava a sede do Challenger (foram nada menos que 50 dólares a 2,86 o galão – 17,48 gal ou 66,16 l – sendo que a capacidade total é de 18,5 gal ou 70 l, e o bocal não desarmou!), encostou um casal aparentando seus 65+ anos num Pontiac Firebird Formula 400 de primeira geração impecável. Não deixei a oportunidade passar, e enquanto o senhor abastecia o carro, conversei um pouco com ele. Foi um daqueles papos que a gente costuma ver nos programas de carro da TV a cabo: e
le contou a história do carro, tudo o que havia modificado, abriu o capô, contou dos outros carros que ele possuía e que venderia aquele se a proposta fosse boa. Quando falei que era brasileiro, ele ficou ainda mais surpreso e não hesitou em contar para a esposa. Ele terminou o abastecimento, se despediu de mim e seguiu o caminho.
Paramos mais uma vez, dessa vez na beira da I-25 norte, para jantar antes de chegar em casa. Após isso, o cansaço nos alcançou, já que o fim de semana havia sido bem agitado. Eles acabaram não resistindo e cochilando no caminho de volta. Confesso que não me importei nada com isso. Naquele momento, pude ser the last beautiful free soul on this planet, rasgando as planícies e fugindo dos blue meanies on wheels, ainda que só na minha cabeça. Mesmo cansado, voltando para casa por uma Interstate reta e movimentada, a estrada acaba me deixando relaxado e atento ao mesmo tempo. É estranho e parece até antagônico, mas quem gosta de dirigir em estrada, especialmente durante à noite, com certeza consegue entender.
Quando chegamos em casa, eu estava bem cansado, mas ao mesmo tempo me sentia muito bem comigo mesmo. Conhecia aquele sentimento de outras viagens. A satisfação de ter percorrido uma das estradas que estava na minha lista de caminhos a percorrer antes de morrer e ter vivido uma experiência fantástica naqueles dias faziam as endorfinas inundarem a corrente sanguínea e se espalharem por todo meu corpo.
No dia seguinte, após entregar o carro, ele marcava exatas 479,6 mi (771,84 km) de um fim de semana fantástico, onde visitei e retomei a amizade com um cara extraordinário e sua adorável esposa, encontrei pessoas novas e visitei lugares fantásticos enquanto colocava mais quilometragem no meu hodômetro particular.
Para mim, esta é uma das melhores maneiras de se viver, e enquanto estiver vivo, vou seguir com cada vez mais vontade de colecionar experiências, amigos e, principalmente, milhas rodadas.
But, it is written: “if the evil spirit arms the tiger with claws, Brahman provided wings for the dove.”