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Car Culture

Um Fórmula-1 para track days feito pela Lotus? O que poderia dar errado?

Todo entusiasta que curte acelerar nos track days sabe como é a busca permanente pelo melhor tempo de volta. Você acerta o carro, descansa mais, tira lições da pista, melhora o carro e, quando finalmente consegue baixar seu próprio tempo, começa tudo de novo. É um ciclo vicioso e viciante para muita gente, que começa com um carro básico e termina com um bólido pronto para competir em qualquer regulamento que o aceite.

Conhecendo como ninguém esse público, há 15 anos, no já distante 2009, a Lotus decidiu criar o brinquedo de pista definitivo. Algo que fosse tão bom que, para subir um degrau, seria preciso comprar um Fórmula 1 moderno. Esse algo era o Lotus T125 Exos, um monoposto inspirado na própria Fórmula 1, com motor V8 Cosworth, também inspirado na F1. Brilhante ideia, não?

Na época, a Lotus encontrava-se em uma situação delicada financeiramente. Era uma situação recorrente desde a década de 1980, quando eles quase entraram em processo de falência e foi salva ao ser comprada pela General Motors em 1986 – tornando-se, também, meio que uma divisão esportiva da GM. Daí o Lotus Omega.

Depois, porém, a Lotus foi vendida pela GM a Romano Artioli – empresário italiano que havia acabado de comprar a Bugatti e colocar no mercado o absurdo EB110. Ele não deu conta de cuidar das duas empresas e vendeu a Lotus, falida, para a Proton. Não fosse pelo bem-sucedido Elise, que já estava pronto para ser lançado em 1996, a Lotus poderia não ter sobrevivido à virada dos anos 2000.

A situação melhorou com o sucesso do Elise, mas a situação da fabricante ainda estava longe de ser a ideal – não havia lucro e, consequentemente, também não havia meios de lançar novos modelos. Foi por isso que, em outubro de 2009, a Lotus convocou Dany Bahar para assumir o comando e transformar a fabricante em um negócio lucrativo.

Bahar tinha credenciais: seu currículo demonstrava que ele tinha a capacidade de transformar tudo o que tocava em dinheiro. Antes de assumir a Lotus, ele havia sido o diretor comercial da Ferrari. Foi ele quem teve a iniciativa de transformar a Ferrari em uma marca de lifestyle, com produtos licenciados e parques temáticos – e fez a fabricante lucrar mais com outros produtos do que com os próprios carros. Se a Ferrari hoje está em uma posição extremamente confortável, isto se deve, em parte, a Dany Bahar.

O plano era que Dany Bahar fizesse o mesmo pela Lotus. Por isso, ele teve carta branca para colocar em prática qualquer plano que imaginasse. E seu plano incluía transformar a Lotus em outro tipo de empresa.

Na época, causaram comoção os anúncios feitos pela Lotus sob o comando de Dany Bahar. A fabricante lançaria novos modelos de superesportivos feitos para encarar os medalhões da indústria. Como um novo Lotus Esprit, movido por um V8 inédito e todo desenvolvido in house, capaz de entregar 570 cv – sob medida para encarar a Ferrari 458 Italia e o Lamborghini Gallardo.

O novo Lotus Esprit foi prometido para o primeiro semestre de 2013 – mas hoje, onze anos depois, sabemos que ele jamais virou realidade. A Lotus seguiu apostando alto no Elise e no Exige e acabou conseguindo se levantar nas mãos da Proton, que é uma das maiores fabricantes de automóveis do sul da Ásia. Já a Proton (ou melhor, 49,9% da companhia) pertence à chinesa Geely – que também é dona da Volvo e de outras companhias menores, especializadas em carros elétricos.

Outra parte do plano de Dany Bahar era o Lotus T125, codinome Project Exos. Pouco se sabe até hoje sobre as minúcias técnicas do carro, mas na prática ele era uma versão ligeiramente menor e um pouco mais mansa do Lotus T127, o carro que disputou a temporada de 2010 da Fórmula 1 com Jarno Trulli e Heikki Kovalainen.

Assim como o T127, o Lotus T125 tinha monocoque de fibra de carbono, freios de carbono-cerâmica e suspensão com amortecedores inboard. E o motor também era um Cosworth – exceto que, em vez de um V8 de 2,4 litros e 750 cv igual ao do carro de F1, ele foi equipado com um V8 de 3,5 litros feito com base em um projeto da Cosworth para a Fórmula Indy. Ainda assim, eram 650 cv a 11.000 rpm em um carro de 560 kg – parcos 0,86 kg/cv.

Ou seja, não é preciso pensar muito para entender que o Lotus T125 era serious business, do ponto de vista técnico. E este foi um dos fatores que o tornaram um completo fiasco.

O Lotus T125 foi revelado a um grupo seleto de 12 potenciais clientes em meados de 2010, em um evento duplo. Primeiro, na fábrica da Lotus, em Hethel, para conhecer os bastidores da companhia e visitar os galpões onde ficavam guardados os carros de corrida e esportivos clássicos.

Depois, no Museu do Louvre, em Paris, onde o quase-F1 estava exposto ao lado de outros conceitos da Lotus. Para explicar aos presentes os detalhes do carro, a Lotus chamou o lendário Sir Stirling Moss e de Takuma Sato, que já havia passado pela Jordan e pela BAR e, na época, havia acabado de estrear na Indy.

Foi um evento absurdamente exclusivo e proibitivamente caro, mas Dany Bahar tinha a certeza de que estava no caminho certo – e provavelmente acreditava que havia conquistado ao menos parte dos convidados.

O carro foi mostrado ao público em janeiro de 2011, em um evento no circuito de Birmingham, no Reino Unido, com uma demonstração por parte de Jean Alesi. Para ajudar no buzz, o T125 também apareceu em um episódio de Top Gear, com impressões de Jeremy Clarkson e uma volta rápida do Stig na antiga pista de testes.

O T125 foi muito bem nas mãos do Stig, virando 1:03,8 – apenas quatro segundos mais lento que o carro de Fórmula 1 usado pela Renault em 2005. Clarkson, porém, descreveu a experiência de acelerar uma máquina feita para gerar quantidades absurdas de downforce como “agonizante”. Sem dúvida o carro era rápido, mas não era uma máquina divertida de dirigir, como, digamos, um Caterham Seven. Não havia prazer ao volante; era mais um lance profissional.

O plano era fabricar 25 unidades do Lotus T125, e vender cada uma delas a pelo menos £650.000 – cinco vezes o que custava um McLaren MP4-12C na época. Em reais de 2024 estamos falando de R$ 6.200.000.

Mas ninguém comprou o carro. Nin-guém.

A Lotus só construiu dois exemplares, um carro com pintura azul, usado na apresentação no Louvre, e outro com a pintura preto-e-dourado da John Player Special, usado para divulgação e aparições na TV, como no Top Gear. Além do fato de ser considerado técnico demais, o Lotus T125 também era uma extravagância muito grande para uma empresa que queria, antes de tudo, deixar o prejuízo para trás.

E ainda devemos lembrar que no começo da década passada, a economia mundial ainda sofria os efeitos da crise de 2009. Então, depois de criar o carro errado no momento errado, Dany Bahar acabou demitido da Lotus em junho de 2012, acusado de desviar fundos da empresa.

Embora tenha uma história conturbada, quase vergonhosa, o Lotus T125 não deixa de ser um dos mais absurdos track toys já feitos. No fim das contas, a Lotus até identificou o público-alvo corretamente, mas entendeu errado os anseios desse público. Acelerar em um track day é diversão. Quando o carro se torna sério demais — a ponto de ser agonizante, como disse Jeremy Clarkson —, ele deixa de ser divertido e passa a ser só um negócio chato de lidar, ainda que muito bom. Se alguém tem tanto dinheiro para torrar em um “track toy” desse nível, certamente tem recursos para bancar uma carreira semi-profissional em uma categoria mais acessível como a Blancpain, por exemplo. Um Fórmula 1 para track day talvez tenha sido demais.