De um lado, a elegância, o refinamento e a classe dos esportivos europeus clássicos. Do outro, a força bruta dos V8 big block americanos da mesma época. De vez em quando, porém, os dois lados desse espectro (imaginário?) se entrelaçam. E o resultado raramente é menos que interessante – na verdade, quase sempre é de cair o queixo.
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E não estamos falando de caras como Jensen Interceptor ou o Iso Grifo, que juntavam estilo europeu e engenharia americana para fornecer aos compradores de esportivos algo diferente e exclusivos. O negócio hoje é raiz – é carro de corrida inglês com alma americana. É um Jaguar E-Type com o V8 de sete litros do Ford Galaxie!
Quem acompanhou o Goodwood Festival of Speed 2021 pela Internet viu esse carro subindo a colina na sexta-feira (9). Se você perdeu, too bad – boa sorte encontrando a transmissão ao vivo. Mas não tem problema: por aqui você vai poder ter uma noção do quão fodástico é esse carro.
Trata-se de um projeto especial feito sob encomenda para um piloto chamado Rob Beck, em algum momento da década de 1960. Não muito tempo depois, ele foi vendido a outro piloto – Chris Summers, que ao lado do colega Barrie Williams usou o E-Type para disputar (e vencer!) diversas corridas amadoras nos Estados Unidos. Em 2014, teve início uma restauração completa nas mãos da americana Vantage Motors, em um processo que levou quase dois anos.
O que esse carro tem de tão especial é justamente a simplicidade do conceito – colocar um motor grandalhão em um carro pequeno. Fazendo todos os ajustes necessários para que o casamento dê certo.
O mais bacana é que não se trata de qualquer E-Type, mas sim de um “Lightweight” – série especial de 12 carros, com carroceria aberta de alumínio, capota rígida, janelas de acrílico (exceto pelo para-brisa) e aerodinãmica retrabalhada, especialmente na traseira. Além disso, por dentro eles não traziam nada que não fosse necessário para arrepiar na pista.
O E-Type Lightweight era equipado com um motor bem adequado à proposta – o famoso seis-em-linha DOHC da Jaguar, com 3,8 litros e ao menos 300 cv. Mas o exemplar em questão, que foi feito sobre um chassi parcial do Lightweight, subverteu completamente a ideia.
O carro é como uma versão alternativa do Shelby Cobra 427 – como se Carroll Shelby tivesse escolhido o E-Type em vez do obscuro AC Ace para usar como base. Isso fica claro principalmente pelas caixas de roda alargadas e redesenhadas, que deram ao classudo britânico uma postura muito mais assentada e agressiva.
O motor em si é algo à parte. Trata-se de um big block de sete litros derivado do Ford Galaxie e preparado pela Holman-Moody, fabricante de motores, preparadora e equipe de corrida oficial da Ford nas décadas de 1960 e 1970. Seus carros mais famosos foram justamente os Ford Galaxie que competirma na Nascar no fim da década de 60 e conquistaram títulos em 1968 e 1969 com David Pearson ao volante.
Por causa da combinação de um Jaguar E-Type com o motor do Ford Galaxie, o carro ficou conhecido como Jaguar “Egal”. Sua história, porém, não é das mais claras – muito do que sabemos sobre ele resulta de juntar depoimentos publicados em fóruns, onde por vezes as pessoas que o viram correr falam a respeito do carro.
Cavando mais fundo, um artigo de 2016 da revista britânica Motorsport News jga uma luz na história do Egal. Aparentemente, Rob Beck era dono do E-Type Lightweight e, depois de um acidente que destruiu toda a dianteira e o bloco do seis-em-linha, foi procurar o preparador Geoff Richardson para tentar encontrar uma solução. E o engenheiro, que tinha sua própria equipe de corridas, a Richardson Racing Automobiles (RRA) e até correu na Fórmula 1 – ainda que apenas em corridas que não valiam pontos para o campeonato – teve uma ideia simples e genial. Rob havia comprado dois motores da Holman-Moody para colocar em uma lancha de corrida, mas Geoff achou que era uma boa ideia colocar um dos motores no Jag e fazer todas as adaptações necessárias.
Embora fosse mais largo que o seis-em-linha original, o motor V8 era mais curto e pesava quase a mesma coisa. O swap era irresistível – toda a dianteira do carro precisaria ser refeita de qualquer jeito, então Rob deu o sinal verde.
A montagem foi feita pelo próprio Geoff, mas o motor já veio pronto – dados de época falam em 480 cv nas rodas, mais 69 kgfm de torque (nice!), moderados pelo câmbio original do Jaguar. Depois de uma sessão de testes particularmente severa, porém, a carcaça do câmbio trincou, e um BorgWarner T10 foi instalado em seu lugar.
Quem viu o carro andar recorda-se de vê-lo passar todo mundo nas retas, mas ceder sua posição nas curvas para carros mais leves e ágeis, como os Porsche 911 e Ginetta que competiam na época. E também dizem que ele não freava muito bem – o que pode até explicar o primeiro acidente…
Nos últimos anos, o Jaguar passou por uma leve modernização. Nas fotos recentes dá para reparar nos para-lamas ainda mais largos, que acomodam pneus ainda maiores. O motor foi preparado com componentes modernos, chegando a cerca de 500 cv e absurdos 83 kgfm de torque, o sistema de combustível ganhou um tanque selado na traseira, e a carroceria foi completamente restaurada, com pintura no mesmo tom de azul da década de 1960.
Por conta de o carro ter corrido muito mais tempo nos Estados Unidos, sua certificação não permite que ele dispute provas históricas – tais eventos costumam ter regulamentos bem rígidos quanto às corridas que os clássicos podem disputar, geralmente com base no seu histórico. Ainda assim, por ser relativamente famoso e pela natureza exótica do projeto, nos últimos dois ou três anos o Jaguar E-Type Egal foi convidado especial em algumas provas no Reino Unido, onde está desde 2016, incluindo o último Goodwood Festival of Speed, no início de julho.