Sabe por que eu disse que a McLaren criou um problema ao colocar o W1 na linha de sucessão do F1? Primeiro, por que ele não é nada inovador como foram seus antecessores, cada um ao seu modo. Fora o desempenho, que, em alguns aspectos, é igualado ou até superado por outros modelos da marca — ele não traz nenhum grande salto evolutivo, nem muda as regras do jogo em sua categoria, nem é o McLaren absoluto de seu tempo.
O P1, por exemplo, era superado apenas por seus pares no nicho dos “hipercarros” e pelo Bugatti Veyron. Já o W1, tem mais de 20 concorrentes mais rápidos em aceleração — alguns dentro da própria casa. Para entender, imagine o velho jogo Super Trunfo. Se fosse uma carta, o W1 não seria aquela carta imbatível. Ele perderia para o Senna em aceleração de zero a 100 km/h e em peso. Perderia para o Speedtail em velocidade máxima e número de ocupantes. Perderia para o Solus em deslocamento e regime de RPM. Se o oponente não apostar na potência máxima, relação peso/potência ou os tempos de zero a 200 km/h e zero a 300 km/h, a carta do W1 vai para as mãos do outro cara.
Eu voltei ao assunto do McLaren W1 porque quero falar sobre um outro supercarro que gerou uma grande expectativa no público. Atravessemos o Atlântico Norte, diretamente para os EUA, onde a Chevrolet está preparando o Corvette ZR1 para 2025.
O ZR1 será para o Corvette o que o McLaren W1 deveria ser para a Ultimate Series: um carro superior aos seus pares em absolutamente todos os aspectos. E para destacar como a McLaren deixou a desejar com o W1, o ZR1 terá a mesma configuração do Corvette mais básico: um V8 atrás do cockpit, e um câmbio automatizado ligado às rodas traseiras. É mais do mesmo, mas elevado à décima potência. Em todos os sentidos.
Veja: o motor é uma variação do V8 Gemini usado nos demais modelos, mas no ZR1 ele tem usinagem diferente para permitir espaço para as bielas mais curtas e saias de pistões mais longas. O curso permanece o mesmo, 80,0 mm, mas os pistões mais baixos e côncavos do LT7, juntamente com uma câmara de combustão revisada, reduzem a compressão de 12,5:1 para 9,8:1 — afinal, ele irá receber nada menos que 1,38 bar de pressão dos turbos. Os cabeçotes do motor também são exclusivos do LT7, modificados para receber o sistema de injeção dupla e suas 16 válvulas injetoras. Além disso, o sistema de cárter seco tem uma bomba exclusiva para os dois turbos.
Falando neles, os turbos do ZR1 são os maiores já fornecidos para a indústria. Sem exagero aqui: a Borg-Warner, sua fabricante, divulgou que eles medem 76 mm na “caixa fria” (compressor) e 67 mm na “caixa quente” (turbina), e que eles foram projetados especificamente para o ZR1 e, embora existam turbos com mais de 100 mm no mercado, nenhum modelo produzido em série usa turbos tão grandes como estes — nem mesmo a dupla usada no V8 do Koenigsegg Jesko.
Do lado do compressor, as pás são feitas de MAR, uma liga de níquel que tolera melhor o calor do que as ligas mais comuns de Inconel, algo necessário quando as temperaturas passam dos 1.000º C. Também há um sensor magnético monitora a velocidade de rotação para evitar quebras pelo excesso de rotações, o que permite que os turbos operem mais próximo de seu limite.
Isso, por que eles são tão grandes que só podem ser usados em motores de virabrequim plano, com ângulo do V mais aberto. A BorgWarner diz que é impossível usá-los em um carro de motor dianteiro, por exemplo. É um exagero? Bem… o ZR1 terá 1.080 cv — 60% mais potência que qualquer outro Corvette. Percebe a diferença? O W1 é 20% mais potente que o Speedtail.
A Chevrolet ainda está preparando um modelo ainda mais radical: o Zora. Ele será a combinação do ZR1 com o e-Ray — ou seja: terá este motor LT7 biturbo e também terá o eixo dianteiro elétrico do modelo híbrido. Considerando que o LT7 tem 1.080 cv e o eixo elétrico fornece mais 160 cv, estamos falando de 1.240 cv. O e-Ray e o ZR1 aceleram de zero a 100 km/h em 2,6 segundos, então podemos esperar que o Zora baixe ainda mais esse tempo. Ou seja: o Zora tem potencial para ser mais um carro a superar o W1 em tempos de aceleração.
E aqui eu chego ao argumento central dessa história — e ele não é a comparação com o W1. A questão é que em alguns meses, talvez menos de um ano, teremos um Corvette Zora capaz de enfrentar diretamente o McLaren W1 em termos de desempenho. Eu sei que o McLaren tem mais refinamento mecânico e será mais leve, mas o Zora deverá custar 10% do valor do W1, cerca de US$ 250.000, que é o preço do McLaren GTS, o modelo de entrada da marca. Aliás, aqui é importante lembrar que o W1 não é o carro mais caro da McLaren. Esse posto fica com o Speedtail — algo que só corrobora meu argumento de que ele deveria ter sido anunciado com o sucessor do F1 na linhagem da McLaren.
Novamente: Corvette e McLaren não se comparam nem concorrem entre si. A ideia de confrontá-los aqui é reforçar que o W1 foi um carro mal-posicionado pela McLaren, mas também usá-lo de referência para o que a Chevrolet está prestes a fazer: um hipercarro americano pelo preço de um supercarro europeu. Uma revolução de desempenho.
Ela já fez isso no passado ao colocar a verve dos esportivos europeus ao alcance do americano comum com os primeiros Corvette, depois trouxe um novo nível de desempenho acessível com o ZR1, a experiência do supercarro de motor central-traseiro com o atual C8 e, em breve, irá tornar acessível o hipercarro híbrido de quase 1300 cv e 350 km/h.
Nenhum Corvette, contudo, chegará aos 405 km/h, nem terá três lugares, tampouco usará a bateria mais potente do mercado, ou usará aerodinâmica de protótipos de Le Mans como um certo McLaren. Só que este McLaren não é o sucessor do P1, nem do F1, e não vai ser legal para os ingleses quando, daqui a um ano, uma manchete de lançamento disser “Corvette Zora é mais rápido que McLaren W1”.