Há quem acredite – não sem evidências – que o futuro dos carros de passeio está selado, e que no próximos anos a maioria deles será substituída por SUVs e picapes (com exceção dos esportivos, claro, que continuarão sendo veículos de nicho, e um nicho muito importante). Os SUVs já dominam a preferência e os desejos do grande público há algum tempo, e nos últimos anos as picapes cresceram notavelmente em popularidade. Se isso é bom ou ruim, depende de para quem você pergunta.
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Mas algo me diz que, independentemente de como o mercado e a indústria se comportarem daqui em diante, a cultura de preparação e modificação já começou a se adaptar a essa nova realidade proposta no parágrafo acima. E temos um case in point aqui: uma Toyota Hilux com motor V12.
É uma pena que não seja no Brasil, onde motores V12 são ainda mais difíceis de encontrar que no resto do mundo. Por outro lado, trata-se de um projeto da África do Sul – e o V12 em questão nunca foi vendido por lá oficialmente. Ou em qualquer outro lugar fora do Japão, na verdade. Trata-se do motor de cinco litros de um dos meus sedãs favoritos no mundo, o Toyota Century – aquele sedã de luxo à moda antiga que é o favorito dos oficiais do governo japonês. Seu motor V12 não foi feito para entregar força bruta, mas sim desempenho suficiente para rodar em silêncio, com segurança e conforto, e sempre com uma reserva de potência caso o chauffeur precise pisar fundo.
Toyota Century V12: é assim que os japoneses fazem (ou faziam) carros de alto luxo
Claro que o sedã não tinha dois turbos como a Hilux. Naturalmente aspirado, o propulsor do Toyota Century, denominado 1GZ-FE, tem potência declarada 280 cv – como de costume, por causa do acordo informal entre as fabricantes japonesas. A potência real é um pouco maior – 310 cv, que aparecem às 5.200 rpm, enquanto o torque é de 49 mkgf a 4.000 rpm (sendo que mais de 40 mkgf já estão disponíveis desde as 1.200 rpm). Não é o que se imagina para um esportivo, mas a palavra chave aqui é potencial: o Century com motor V12 pesa quase 2.000 kg e é capaz de ir de zero a 100 km/h em 7,5 segundos, com velocidade máxima de 210 km/h. Considerando que os motores da Toyota, tradicionalmente, são conhecidos pelo overengineering (ou seja, projetados para aguentar muito mais abuso do que costuma acontecer no mundo real) não é difícil fazer as contas: colocando dois turbos ali e fazendo as melhorias de praxe na preparação, dá para extrair bem mais que 310 cv de lá.
Aqui mesmo no FlatOut a gente já falou disso. Em 2015, mostramos um Porsche 928 equipado com o 1GZ-FE. E um dos Toyota Supra de “Smokey” Nagata, o ex-rachador que virou um dos preparadores mais famosos do planeta, tem o motor V12 do Century debaixo do capô.
A verdade sobre o Supra de 300 km/h de Smokey Nagata e sua prisão nos anos 90
A Hilux, porém, é um animal totalmente diferente. Trata-se de uma picape de competição, voltada para provas de hillclimb – o que, na opinião deste humilde escriba, a torna automaticamente mais bacana do que se fosse algo para arrancadas. Além de colocar um V12 raríssimo e difícil de conseguir em uma picape, os responsáveis pela doideira ainda colocaram a Hilux para fazer curvas!
Aliás, quem são os responsáveis? Como citado acima, trata-se de um projeto feito na África do Sul, por uma oficina chamada FatBoy Fab Works – desconfio que o “Fab” seja de fabrication, e não de fabulous. Em todo caso, os caras são uma preparadora dedicada a projetos de pista, e a ideia de fazer uma picape de corrida deve soar invariavelmente apetitosa a quem já fez todo tipo de projeto, não?
De alguma maneira o V12 do Century foi parar na África do Sul (os caras não dão muitos detalhes a respeito) – e, para alívio dos puristas, ao menos acabou no cofre de um veículo da mesma marca. A picape é uma Hilux da geração passada, com cabine simples e caçamba longa, típico veículo de trabalho.
Ao menos o espaço no cofre não foi um problema: o seis-em-linha 3.0 turbodiesel cabia lá tranquilamente e sobrava espaço. E não vá pensando que a Hilux recebeu, digamos, um chassi tubular feito sob medida, já com tudo prontinho para acomodar o powertrain e a suspensão preparada. Este seria o modo mais adequado, especialmente se fosse um projeto de rua, que precisasse de atenção redobrada para funcionar direitinho e ainda ser legalizada para circular em vias públicas.
Não, senhor: a picape foi toda montada em cerca de 15 dias – a tempo de participar de uma prova de hillclimb chamada Simola Hillclimb, no litoral leste da África do Sul. O evento aconteceu no último dia 4 de setembro, e dá para ter uma noção de como a picape soa no vídeo abaixo:
O chassi do tipo escada original da picape foi aproveitado, assim como o diferencial traseiro – que é ligado ao câmbio do Century por um cardã feito sob medida.
É lógico que o motor recebeu tratamento especial para a empreitada. A oficina deu a ele dois turbocompressores Garrett GT35 e uma ECU aftermarket da Spitronics – substituindo o genial e redundante sistema com duas ECUs do V12 (uma para cada bancada de cilindros) por algo mais voltado à performance. Com as modificações relamente simples, a picape dispõe de 546 cv e nada menos que 98,9 kgfm de torque com os turbos operando a pacatos 0,7 bar. Estes números quase dobram a força original do Century, mas a FatBoy Fab Works garante que o câmbio original do Century é capaz de aguentar muito mais sem qualquer tipo de modificação.
O restante da picape foi concluído pensando em fazer tudo funcionar – estética era a última das preocupações. Ainda assim, a Hilux ficou para lá de invocada com a suspensão mais baixa (ainda com o arranjo original, com braços sobrepostos na frente e eixo rígido atrás) e rodas de 20 polegadas com pneus Momo A-Lusion M9 275/40.
François Fritz, proprietário da FatBoy e dono da picape, diz ao site que a ideia passava longe de fazer uma picape para vencer a competição. Ele só queria participar do evento pela primeira vez com algo que fosse único, exclusivo e impressionante para qualquer pessoa. Ter a Hilux andando no dia do evento era a maior prioridade, tanto que os números de potência e torque foram aferidos na noite anterior ao início dos treinos.
Problemas elétricos obrigaram Fritz a levar a Hilux para os boxes mais de uma vez e seus tempos não foram exatamente impressionantes. Mas ele de fato conseguiu terminar a subida de montanha e deixar muita gente de queixo caído no processo.No fim das contas, não há qualquer razão lógica para esse swap – há literalmente dezenas de opções mais adequadas para receber um V12 de Toyota Century e dar forma a um verdadeiro monstro de hillclimb. Mas aí… não teria tanta graça, não é?