Infelizmente o Brasil está entre os países onde o processo de importar um clássico é mais burocrático e caro, mas não somos só nós que sonhamos com carros icônicos das décadas passadas. Dito isto, há certos automóveis que são sonhos difíceis de realizar em qualquer lugar. Um exemplo são os Nissan Skyline do fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, como o Hakosuka e o Kenmeri.
Falamos sobre estes dois quando contamos a história da evolução do GT-R: o Hakosuka, ou C10, foi o primeiro GT-R de todos, tinha um belo seis-em-linha de dois litros e é, para muitos, um dos maiores clássicos do planeta. Seu sucessor, o Kenmeri, não teve a mesma importância histórica (por pouco, na verdade), mas é muito mais raro e modificá-lo é praticamente um crime, com apenas 197 unidades fabricadas em 1972. Por que ele deixou de ser produzido? Por causa da crise do petróleo, que aparentemente tornou um esportivo com seis cilindros e 160 cv algo inviável.
Se você curte os JDM e já sabia destes fatos, é possível que tenha tomado um susto quando viu o Kenmeri na foto acima, assim como eu tomei. Nenhum carro é sagrado, claro, mas a gente nunca está preparado para certas coisas.
Entretanto, você não precisa se preocupar: o carro do americano Patrick Soliman é um Kenmeri mais comum, o 2000 GT-X, que tinha o motor de seis cilindros amansado para entregar 130 cv. Claro, ainda é um clássico e ainda há quem possa torcer o nariz para as modificações, mas ao menos a gente fica mais tranquilo. Ainda mais sabendo que em 2006, quando Patrick comprou o carro, ele estava abandonado em um gramado, sob um monte de tijolos.
O carro chegou aos EUA na década de 1980, e Patrick acredita que tenha sido por engano: naquela época, qualquer Skyline era um carro de US$ 500 (cerca de US$ 1.100, ou pouco menos de R$ 3.800, em dinheiro de hoje) e este aqui simplesmente foi parar no contêiner de um importador independente.
Alguém decidiu comprar o carro e, até onde Patrick sabe, sua vida não foi fácil: de 1985 até meados da década de 1990 o carro foi pintado três vezes e recebeu alguns motores diferentes. Até que o último dono antes de Patrick decidiu colocar um motor de Nissan Silvia no carro, realizando todas as modificações necessárias à estrutura e instalando parcialmente o novo conjunto mecânico. Só que ele abandonou o projeto antes da hora e, em 2006, decidiu que não queria mais o carro em seu gramado. O Kenmeri, àquela altura, era pouco mais que uma carroceria com um motor que mal funcionava e muita coisa para fazer.
A sorte de Patrick foi que, naquela época, os Skyline antigos não eram valorizados e cobiçados como hoje, e por isso o dono praticamente pagou para que ele tirasse o carro de lá.
Levou algum tempo para que o Kenmeri chegasse à forma que tem hoje. Patrick usou o carro por alguns anos com o motor SR20 do Nissan Silvia mas, depois de fundi-lo nada menos que três vezes, chegou à conclusão de que era hora de trocar o motor de vez.
Foi aí que surgiu um motor RB26DETT, vindo de um Skyline GT-R R33, no qual um amigo estava trabalhando. O motor estava acoplado a uma transmissão manual de cinco marchas vinda de um R33 de tração traseira. Era o conjunto perfeito.
Você sabe do que se trata: um seis-em-linha de 2,6 litros com comando duplo dois turbocompressores e cerca de 300 cv. No carro de Patrick, porém, foram realizadas algumas modificações: um turbocompressor Precision 6262, novos coletores de escape e uma reprogramação eletrônica garantiram um salto para cerca de 550 cv. O carro recebeu também injetores de maior vazão, novo intercooler, velas NGK Iridium, radiador de maior eficiência e um abafador de três polegadas com saída dupla no sistema de escape para valorizar o ronco do seis-em-linha.
Agora, não foi fácil colocar tudo no carro: o dono anterior já havia feito todas as modificações necessárias para colocar o motor do Nissan Silvia. Patrick teve de desfazer tudo e fabricar novos suportes, mas foi só o começo. Diversas adaptações precisaram ser feitas por todo o carro.
Há, contudo, um detalhe interessante nesta história: depois que comprou o carro, Patrick alistou-se no exército americano e foi transferido para o Japão, onde trabalhou como mecânico. Por lá ele encontrou inspiração na cena de rua japonesa, mas também uma boa forma de comprar componentes para seu projeto, com muito mais variedade de componentes novos e usados. E, mais importante, a um preço bem mais acessível do que por importação.
Assim, Patrick ia para o Japão e voltava meses depois com componentes e muitas ideias na cabeça. Além disso, amigos que ele fez em fóruns pela internet também deram uma força, enviando peças de outros países.
A ideia nunca foi uma restauração que devolvesse ao carro os padrões originais: desde o início o intuito era criar algo exclusivo e, caso fosse necessário usar componentes de outros carros, sem problemas. Assim, o diferencial traseiro veio de Nissan 300ZX Z31. A suspensão traseira utiliza um arranjo independente criado originalmente para o Chevrolet Camaro, enquanto a parte elétrica aproveitou o esquema de um Nissan Sentra 1989. Tudo funciona perfeitamente, acredite se quiser.
Visualmente, Patrick buscou inspiração nos bosozoku que rodam pelas ruas de Tóquio: um grande spoiler na dianteira, para-lamas alargados com rebites expostos e suspensão com cambagem negativa. As rodas são um jogo de Hayashi Techno Phantom, de 15×10” na dianteira e 15×12” na traseira, calçando pneus Toyo Proxes R888 de medidas 225/50 e 235/50 na dianteira e na traseira, respectivamente. Ainda que não duvidemos da funcionalidade de um arranjo como o deste Skyline – McPherson com coilovers ajustáveis na dianteira e braços arrastados na traseira – é provável que optássemos por não esticar os pneus (os famosos pneus stretched) e escolhêssemos um acerto mais funcional nas camber plates, mas estes são só nossos 2 cents.
O interior segue a escola racer das antigas, misturando acabamentos originais com componentes aftermarket como relógios, volante, bancos recaro e cintos de competição. Nesse caso, a gente não faria diferente.
Para nós, este é quase um restomod perfeito, e que fica ainda melhor por conta de sua história.