E aí galera, chegamos ao terceiro post dessa brincadeira relatada pelo Project Cars. Anteriormente apresentei os fundamentos do projeto e agora quero fazer o detalhamento de cada modificação. Começaremos com o circuito de sobrealimentação.
O Fiesta Supercharger nasceu equipado com um compressor tipo Roots, fabricado pela Eaton sob o código M24. Essa designação condensa a família e a capacidade de deslocamento volumétrico do compressor, 24 polegadas cúbicas (aproximadamente 393 cm³) por revolução.
Os Roots são compressores de lóbulos (no caso dos Eaton, os lóbulos são torcidos a um ângulo de 60°), classificados como compressores de deslocamento positivo. Este tipo de compressor tem como principal característica a entrega de um volume constante a cada revolução. Este tipo de compressor transporta o ar da admissão para a descarga à pressão constante, não há compressão interna. Somente quando o “pacote” de ar é entregue na descarga ocorre à compressão, pois a demanda de ar do motor é menor que a capacidade deslocada pelo compressor.
Devido a essas características de transporte, compressão e construtiva, a eficiência deste tipo de compressor normalmente é mais baixa que a dos compressores dinâmicos (como os turbocompressores). E o resultado dessa menor eficiência de compressão se mostra nas maiores temperaturas de descarga, fato que não é benéfico para o motor.
A imagem acima mostra um exemplo de mapa de eficiência, esses são dados essências para que se faça a escolha de qualquer compressor, não importando o tipo.
O eixo X mostra a razão de compressão, o eixo Y mostra a vazão volumétrica do compressor, as amebas os círculos representam as ilhas de eficiência do compressor e as linhas transversais as faixas de velocidade do compressor. Não vou me estender nas explicações sobre mapas de eficiência para não alongar este assunto específico, já que o tratamos de outros assuntos interessantes. Para ficar mais bem informado sobre os mapas o link abaixo já é um bom começo:
Todo modelo de análise termodinâmica parte de quatro leis básicas, sendo a primeira a Lei dos Gases Ideais. Aquela lei que você aprendeu no ensino médio, na qual PV=nRT, sendo:
P = Pressão absoluta (kPa)
V = Volume (m³)
n = Número de mols
R = Constante universal dos gases
T = Temperatura absoluta (K)
Por essa lei todas as variáveis estão relacionadas, de forma direta ou reversa. No caso da compressão, onde o volume é reduzido, a pressão deve se elevar. Para se comprimir um gás é necessário introduzir energia no sistema de compressão, para que só então essa energia seja transferida ao fluido. Como vivemos no mundo real, nem toda a energia recebida pelo compressor é transferida para o fluido da forma devida. A razão entre a energia transferida e a energia recebida determina a eficiência do compressor. Pelo princípio de conservação da energia, a parcela da energia cinética não transferida para o fluido deve ser dissipada de algum modo, e grande parte dela é dissipada em forma de calor. Por isso quanto mais eficiente o compressor, mais legal ele é!
Tá, o mapa mostra a eficiência de compressão, e eu já entendi que a temperatura de descarga do Roots é maior que a de um turbo na mesma condição, tudo muito bonitinho… Mas quanto é esse maior, qual o resultado prático dessa menor eficiência?
E isso que nós vamos calcular agora. Papel e lápis na mão galera!
Antes de chegarmos “aos finalmentes”, temos que passar pelas preliminares, ou você ainda não aprendeu isso?
Estamos tratando de uma máquina térmica e do ar como fluido a ser comprimido, devemos ter em mãos as propriedades do ar. Lembrem-se, todas as unidades são parte do Sistema Internacional.
Com as propriedades dos fluidos em mãos, vamos agora conhecer a fórmula de cálculo da temperatura de descarga de um compressor. Esta fórmula é uma variante baseada na primeira lei da termodinâmica (aquela lá em cima) e na equação da quantidade de calor recebida por um corpo:
Vamos a ela:
T1 = Temperatura de admissão (K)
T2 = Temperatura de descarga (K)
P1 = Pressão de admissão absoluta (kPa)
P2 = Pressão de descarga absoluta (kPa)
n = Eficiência isentrópica
k = Razão de calores específicos (Cp/Cv)
ϵ = Eficiência de compressão (politrópica)
Legal a fórmula não é? Limpa, simples, rápida de ser resolvida e… O nó na cabeça ficou maior ainda. Eficiência ISENTRÓPICA, pressão ABSOLUTA, eficiência POLITRÓPICA?! É galera, não estou apelando, a coisa está o mais simples possível. Que tal um exemplo?
Vamos tomar como referência o próprio M24 (vocês não acharam que eu iria tomar como exemplo outro projeto não é?). Temos então os dados:
Rotação limite do Compressor = 18000 R.P.M
Pressão de admissão mínima do Compressor = -0,08 bar
Pressão de descarga máxima do Compressor = 0,76 bar
Temperatura ambiente = 26°C
Razão entre polias = 2,32
Para se estimar o uso de um compressor, devemos determinar ao menos três diferentes situações de uso do motor e consequentemente do compressor. A primeira é a do uso no motor em plena carga (borboleta com abertura plena) e alta no limite de rotação. A segunda é do motor em situação de cruzeiro, baixa carga e regime de rotações mediano. Na terceira situação devemos avaliar o motor em plena carga e baixo regime.
Vamos calcular a primeira condição, onde temos limites de carga e regime. Se a rotação do motor é de 7.000 RPM e a relação entre as polias é aproximadamente 2,32, significa que a velocidade de rotação da polia do compressor será de 16.250 RPM. Temos tal resultado porque o compressor em questão não possui relação interna de multiplicação, caso tal relação exista no compressor escolhido, esta razão também deve ser considerada para a obtenção da velocidade angular final.
Sabendo-se que o compressor desloca 393 cm³ por revolução e gira 16.250 vezes por minuto, teremos uma vazão de 6.386.250 cm³/min, convertendo teremos 383,18 m³/h.
Consultando a tabela acima (obrigado ao pessoal da Eaton pelas informações valiosas), vemos que para este regime de trabalho (16.250 RPM) e razão de compressão, a eficiência volumétrica do compressor é 0,910 para uma razão de compressão de 1,6.
A eficiência volumétrica é a razão entre o volume ideal e o volume real deslocado pelo compressor, e a razão de compressão é o resultado da pressão de descarga dividida pela pressão de admissão, sendo ambas as pressões absolutas (para os valores absolutos some o valor de pressão atmosférica a manométrica). Aplicando então este fator teremos uma vazão corrigida de 348,7 m³/h. Estes dados devem ser utilizados como coordenadas no mapa para que assim possa ser determinada a eficiência politrópica do compressor.
Consultando o mapa acima, para a vazão volumétrica de 348,7 m³/h e razão de compressão de 1,6, a eficiência do compressor é aproximadamente 61%. Devemos ainda resolver a equação da razão de eficiência isentrópica:
Com todos os dados finalmente em mãos vamos lá:
Convertendo a temperatura da escala Kelvin para Celsius, temos:
Assim determinamos a primeira condição de trabalho do compressor. Ainda faltam outras três, mas ficam como exercício para vocês.
Bom pessoal, eu sei que foi um texto extremamente longo, mas foi a forma mais simples que eu encontrei de passar estes dados e modelos de cálculo. Espero ter conseguido esclarecer algumas dúvidas sobre compressores e assim sobre mais uma peça do Project Cars #46.
Na próxima, trataremos do quanto essa elevação de temperatura influencia no desempenho do motor e como mitigar isso.
Até a próxima pessoal!
Por Rodrigo Passos, Project Cars #46