O primeiro carro do meu pai foi um Fusca 1979 azul-marinho, modelo 1980, com motor 1600 de carburação dupla. Ele tinha rodas de Brasilia, capô sem respiros e aquelas lanternas ovais, pequenas. Não sei que fim aquele carro levou. Se o visse na rua, certamente o reconheceria – embora existam milhares de carros parecidos com aquele nas ruas.
Infelizmente, não existem muitas fotos daquele carro – sei de apenas uma, mas é uma foto de família, e nela o Fusca é apenas parte do cenário. E sei de um vídeo gravado por um amigo dos meus pais há mais de vinte anos, em um passeio no sítio, com todo mundo reunido. O carro aparece em alguns momentos. A fita deve estar em algum canto da nossa casa, mas não temos mais videocassete. E ainda não encontramos tempo para resgatá-la da gaveta onde ela provavelmente está e digitalizar as imagens.
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É fácil entender o motivo: naquela época, quando câmeras digitais e smartphones eram um sonho distante, era preciso comprar o filme e escolher com muito carinho o que fotografar – normalmente eram filmes de 12 fotos, e raramente se comprava um rolo com 36 poses. E a gente ainda corria o risco de perder algumas fotos, porque elas sempre “queimavam” na hora de revelar.
Hoje em dia é tudo bem mais fácil – se o meu pai tivesse o Fusca ainda hoje, certamente eu teria várias fotos dele na memória do celular e no Instagram. Mas não falo só da minha experiência pessoal, mas sim da situação geral: todos os dias, milhares (milhões?) de fotos e vídeos de carros são publicados para o mundo todo ver. Imagens em alta definição, perfeitas, em 4K. Vemos tudo com clareza, cores e formas nítidas, 60 frames por segundo. Parece que você está lá, vendo tudo de perto. Será assim que nossos filhos e netos verão o mundo de hoje – e eles certamente terão formas ainda mais incríveis de registrar suas próprias vidas para seus descendentes.
A questão é justamente esta: hoje em dia, podemos registrar absolutamente tudo – beirando o exagero. Pense nos shows, por exemplo, com um batalhão de celulares em riste, segurados por pessoas que, aparentemente, preferem gravar tudo e assistir em casa a apreciar a apresentação, que é a razão de se estar ali. Ou nos memes que falam sobre estacionar o carro e tirar 400 fotos para aproveitar uma ou duas. Fotografias e vídeos caseiros, que antes eram praticamente um evento, hoje são elementos corriqueiros, quase descartáveis, das nossas vidas. É conveniente, claro, mas também é um tanto… frio.
Esta pequena reflexão é cortesia de um vídeo enviado pelos leitores. Um vídeo chamado “For the Sake of Racing”, gravado por uma câmera Canon 1218 com zoom óptico de 12x e filme Super 8 Kodak 50D e 200T. A câmera foi fabricada em 1968 e, bem, isto acaba ficando bem aparente no vídeo. Aprecie:
Qualquer semelhança com vídeos antigos de corridas não é mera coincidência. Ao que parece, a intenção do videomaker era mesmo reproduzir a atmosfera daquela época usando um cenário atual – e ele conseguiu. Não fossem os carros modernos, como o Toyobaru, o Mazda Miata ou o Mustang de sexta geração; ou as roupas do pessoal, seríamos enganados.
Houve até mesmo a preocupação de não enquadrar ninguém usando um smartphone ou qualquer outro aparato tecnológico moderno. A gravação meio trêmula, a edição meio aleatória, com cortes quase a esmo, e a narração de algum vídeo de época que não conseguimos identificar, só contribuem para a autenticidade da estética retrô.
O autor desta pequena obra de arte se chama Nick Shirrell, e “For the Sake of Racing” é o nome de sua equipe de automobilismo – aparentemente eles participam de track days e de competições regionais de endurance com o carro já há alguns anos.
O projeto de filmagem analógica, pelo visto, é mais recente – Nick criou um perfil no Instagram chamado Film Grain and Octane, fazendo referência à granulação dos vídeos antigos e, obviamente, a octanagem da gasolina, mas ainda não há conteúdo além de dois teasers do vídeo acima.
Ele diz que sua próxima aventura será no mês que vem, na etapa de Road America da Fórmula Indy. Mal podemos esperar para ver os monopostos de 2019 desse jeito: