No meio de tantas notícias ruins, às vezes é preciso parar para pensar no quanto somos privilegiados. Por exemplo, há quinze anos, ninguém podia simplesmente ligar o computador ou o smartphone, abrir o FlatOut YouTube e assistir a um vídeo onboard feito com uma câmera grudada no capacete do piloto, e se sentir como se estivesse ali na pista, acelerando no meio de dezenas clássicos em Laguna Seca como você vai fazer agora. Duas vezes.
Como você deve lembrar, na semana passada rolou a Monterey Car Week. A semana dedicada aos carros e corridas de antigamente inclui eventos como o Pebble Beach Concours d’Elegance, passeios com automóveis clássicos, de rua e de pista, e corridas históricas disputadas por bólidos do passado que mostram que ainda estão em muito boa forma.
É claro que ver um monte de preciosidades sobre rodas nos verdes gramados de Pebble Beach é bacana, mas entendemos perfeitamente quem prefere um pouco mais de ação. E o Monterey Motorsports Reunion, que acontece todos os anos no famoso circuito de Laguna Seca, é simplesmente épico. Quer ver só?
A cada edição do evento, que reúne centenas de carros de corrida do passado, um modelo em especial é homenageado. Em 2015, foi a vez do Shelby GT350, que completa 50 anos (leia a história aqui). Por isso, dezenas de exemplares do muscle car preparado de fábrica se juntaram para algumas voltas bem animadas.
E olha só eles no Corkscrew, o famoso “Saca-Rolha” do circuito. Se você é fã de Gran Turismo, certamente vai lembrar quanta raiva passou tentando fazer uma curva perfeita:
Mas não foi isso que viemos mostrar hoje — foi só um aperitivo. O prato principal são estes os onboards publicados no YouTube pelo site Racer.com. Ambos foram gravados durante o Monterey Motorsports Reunion e, graças ao posicionamento da câmera, estão entre os vídeos onboard mais imersivos (e alucinantes) já feitos. Com a câmera no visor, você enxerga exatamente o que o piloto estava enxergando. O resultado é a sensação de que você está lá, sentado ao volante. Em HD, com a tela cheia e um bom par de fones de ouvido, a experiência fica completa.
O primeiro vídeo traz um carro muito, muito especial: o Mirage GR8 que, em 1975, venceu as 24 Horas de Le Mans. Foi uma vitória importante e, se você acompanhou nossa série sobre as Lendas de Le Mans, sabe o porquê: nos anos 70, depois das quatro vitórias em sequência do Ford GT40 (de 1966 a 1969), quem dominou o circuito de La Sarthe foi a Porsche. Acontece que um dos maiores responsáveis pelo sucesso do GT40, o engenheiro John Wyer, não estava satisfeito com isso. Então, ele decidiu projetar um novo carro — esse cara aí embaixo:
Pode até parecer um GT40, mas não é: trata-se da primeira encarnação do Mirage, carro de corrida projetado por Wyer com base no GT40. Isto explica a semelhança, a mecânica (o mesmo small block de 5,7 litros do Ford) e até as cores da Gulf Oil. Contudo, a carroceria tinha aerodinâmica otimizada (note o cockpit mais estreito), mas nada disso foi suficiente para vencer em Le Mans. Por outro lado, Jack Ickx conseguiu uma vitória com ele em 1967 nos 1000 Km de Spa-Francorchamps.
Levou mais alguns anos para que Wyer conseguisse vencer em Le Mans com um de seus carros. No caso, o Mirage GR8, protótipo sem teto movido por um V8 Cosworth DFV de três litros e mais de 400 cv, e novamente patrocinado pela Gulf. Com Derek Bell e Jacky Ickx ao volante, o GR8 completou 336 voltas em 24 Horas no circuito de La Sarthe. No onboard, o protótipo mostra que ainda tem muita gasolina para queimar — ainda que as quatro décadas que se passaram cobrem seu preço.
O piloto, Marino Franchitti (irmão de Dario), leva o carro ao limite mesmo com alguns problemas de superaquecimento. Ele explicou ao Racer.com que todo o sistema de arrefecimento ainda está dimensionado para Le Mans, com seus mais de 13 km e suas longas retas. Laguna Seca é mais truncada e o carro não anda tão rápido quanto em La Sarthe — o que prejudica a refrigeração do motor. Por outro lado, o ronco é épico, e a pilotagem também.
O outro vídeo é ainda mais épico. O carro é um Porsche 911 3.0 Carrera RSR pilotado por Patrick Long. O motor, como você deve ter imaginado, é um flat-6 de três litros. Preprarado para render cerca de 300 cv a 8.000 rpm, sem dúvida é um carro de corrida muito veloz e empolgante na hora de guiar. Acontece que a grande maioria dos outros carros no grid tinha motores maiores e/ou turbinados com mais do que o dobro da potência — Corvette e Porsche 935, por exemplo —, capazes de entregar algo entre 600 cv e 700 cv.
Isto não impediu que Long pisasse fundo e se envolvesse em uma verdadeira briga por posições. As ultrapassagens são raras — o próprio piloto diz que só tinha chances reais de ultrapassagem nas zonas de frenagem —, mas o ritmo do carro em relação a rivais muito mais potentes impressiona.
Se isto não foi o suficiente para te deixar acelerado e ansioso pelo evento do ano que vem, assista de novo. E de novo, e de novo.