Encontrar um carro parado em uma garagem, intocado por décadas, é uma fantasia comum a praticamente todo entusiasta. Ter a chance de ser o primeiro a ter contato com um automóvel que não vê a luz do dia há vinte, trinta anos é a chance de fazer parte a história daquele automóvel, mesmo que no fim das contas você não venha a se tornar seu próximo dono.
E se não for um carro só? E se forem ao menos dois carros parados há mais de um quarto de século, pouco rodados, clássicos e raros o bastante para valer milhões? Deve ser uma das experiências mais incríveis do mundo. E foi o que aconteceu há algumas semanas, quando o “caçador de raridades” Tom Cotter topou com uma Ferrari 275 GTB e um Shelby Cobra original em uma garagem abandonada na Carolina do Norte, EUA.
O vídeo tem legendas em inglês que podem ser traduzidas automaticamente pelo YouTube. São quase 15 minutos, mas vale a pena assistir
Os dois carros estavam trancafiados em uma propriedade abandonada havia exatos 26 anos e, fora toda a poeira, as teias de aranha, os gafanhotos e os ninhos de rato, estavam muitíssimo bem conservados. E eles tinham companhia: um BMW Série 3 E30, um Morgan com motor V8 e um Triumph TR-6. Todos os carros estavam originais e pouco rodados, e não é implausível imaginar que as portas da garagem jamais tenham sido abertas desde 1991, quando foram guardados lá.
Os carros estavam aos cuidados de Warren Cramer, amigo do dono dos carros – que não teve seu nome revelado, certamente por questões de privacidade. Foi ele quem contou a Cotter a história impressionante da garagem. Segundo ele, o proprietário dos carros gostava muito de dirigi-los, e tinha um mecânico de confiança. Este mecânico, porém, também era motociclista. Um dia, ele sofreu um acidente de moto e veio a falecer.
O dono da Ferrari, do Cobra e dos outros carros, porém, só confiava naquele mecânico, e sabia que encontrar outro profissional à sua altura seria tarefa difícil. Então, ele decidiu simplesmente guardar os carros em sua garagem até achar alguém qualificado o bastante para cuidar deles.
Era para ser algo temporário, mas todo mundo que já teve um carro antigo (porque em 1991 estes carros já eram antigos) sabe que nem sempre as coisas acontecem como devem acontecer. Com as mudanças da vida os carros foram ficando lá por cada vez mais tempo. E seu destino provavelmente seria continuar ali por mais alguns anos, mas veio o imprevisto: a construção onde os carros estavam guardados foi condenada pelas autoridades, e seria demolida em pouco tempo. Então, o dono dos carros encarregou Warren de encontrar um novo lar para eles. E foi aí que Cotter entrou na história.
Cotter tem uma websérie sobre barn finds no YouTube e uma parceria com a Hagerty Classics, companhia de seguro especializada em carros antigos de alto valor. Segundo a estimativa deles, o valor dos dois carros é de cerca de US$ 4 milhões – quase R$ 13 milhões em conversão direta.
A Ferrari 275 foi fabricada de 1964 a 1968, com cerca de 970 exemplares fabricados em diferentes versões de carroceria. Todas elas eram equipadas com o motor V12 Colombo de 3,3 litros e 300 cv mas apenas 80 delas tinham carroceria de alumínio em vez de aço. Sendo assim, Cotter ficou ainda mais empolgado quando colocou um ímã de geladeira na Ferrari e ele não ficou preso.
Destas, apenas um punhado saiu da fábrica com comando simples no cabeçote (a maioria delas tinha comando duplo) e com a dianteira mais longa, com os faróis cobertos por uma lente de acrílico. A cor prata também é mais rara que o vermelho Rosso Corsa. O interior é revestido com vinil (e não couro) azul. O exemplar encontrado na garagem tinha apenas 13.000 milhas no hodômetro, o que dá cerca de 20.900 km.
Já o Cobra tinha 19.000 milhas, ou pouco mais de 30.500 km, e também é bastante raro. Quer dizer, existem cerca de 60.000 Cobras no mundo, entre réplicas e carros fabricados pela Shelby American. No entanto, os carros feitos pelo próprio Carroll Shelby, importados por ele do Reino Unido e vendidos nos anos 60, não chegam a 1.000 exemplares. E muitos deles foram modificados para as pistas, o que torna a existência de um exemplar original e pouco rodado algo impressionante por si só.
Até as rodas são originais
O carro que estava na garagem, apesar do emblema 427 nas laterais, era equipado com motor V8 428. Tanto o 427 quanto o 428 eram motores big block, mas o motor 427 era mais potente, com cerca de 430 cv. O motor 428, também conhecido como “Police Interceptor”, com comando de válvulas mais manso e tuchos hidráulicos, entregava cerca de 390 cv e tinha uma curva de torque mais linear. Não se sabe ao certo a razão, mas acredita-se que a Ford não tinha motores 427 suficientes para atender à demanda. Entaõ, a Shelby tentou empurrar o motor 428 para os clientes.
Além do motor original (o que é raro, pois muitos clientes retornavam à Shelby para que o motor 427 fosse instalado), o carro preserva todas as linhas de fábrica da carroceria e não recebeu canos de escapamento na lateral como ocorreu com vários outros.
Havia ninhos de rato no porta-luvas e no porta-malas, mas o Shelby ao menos conseguiria ser empurrado para forada garagem. O mesmo não valia para a Ferrari, que estava com os freios travados. Só que isto era necessário, porque a casa seria demolida. E, de todo modo, nenhum dos carros era capaz de se mover por meios próprios. Eles foram retirados com um trailer cedido por um amigo de Cotter.
O destino dos dois carros (e, presumivelmente, dos outros três) será um leilão da Gooding & Company no próximo dia 9 de março. Os dois carros serão vendidos as is, isto é: não serão restaurados – algo que, neste caso, pode ajudar a valorizá-los. Estão muito preservados e, na nossa opinião, só precisam de um belo banho e uma revisão geral para poderem ser curtidos como se deve (nada de over restoring!). Ainda que isto provavelmente não vá acontecer: tanto o Cobra quanto a Ferrari têm de tudo para virar peças de coleção.