Ah, os engine swaps…
Sua existência garante, em igual proporção, o nascimento de aberrações e de carros nada menos que incríveis. Mas há uma enorme área cinza entre esses dois extremos. E, convenhamos: é aí que estão os projetos realmente intrigantes.
Você leu o título, você viu a foto, e aqui estamos para confirmar: sim, trata-se de uma Ferrari 308, fabricada em 1981, clássico que deu origem à 288 GTO (e, por extensão, à F40) e que já recebeu um quatro-cilindros Honda K24 no cofre. E também acabou de ganhar um kit widebody da Liberty Walk, porque, aparentemente, uma Ferrari com motor japonês não é herege o bastante: a carroceria tem que ficar nipônica também.
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Logo mais vamos tratar das questões filosóficas a respeito do projeto mas, antes de qualquer coisa, que fique claro: essa Ferrari 308 não é um devaneio de alguém muito louco e cheio de dinheiro, mas sim um projeto sério, feito com o maior cuidado e sem prazo para terminar.
Qualquer um que tenha sido razoavelmente ativo nas comunidades automobilísticas nos últimos dez anos conhece Mike Burroughs, ou ao menos seu trabalho: ele é dono do site Stanceworks, um dos veículos que ajudaram a popularizar a estética dos carros rebaixados impecáveis, com suspensão a ar e cambagem negativa que inundaram a cena na década passada.
O próprio Mike Burroughs ficou conhecido por alguns projetos assim – em especial usando modelos da BMW fabricados nas décadas de 70 e 80 – e, de certa forma, ajudou a construir a estética do “euro look” na época. Mas agora ele decidiu embarcar em seu projeto mais radical, funcional e ousado.
“Agora”, na verdade, é uma imprecisão. ConformeMike contou à Road and Track, a ideia para o projeto já existe faz um bom tempo.
Para começar, Mike queria uma 308 há tempos, desde que estava na faculdade. “Meu pai apresentava os programas de TV da Motor Trend e da Car and Driver e adorava esse carro, então eu sempre quis um”, ele contou à revista. “A semente foi plantada há uns dez anos e isso nunca me saiu da cabeça.”
Pode ser surpreendente, vindo de um cara que dedicou boa parte de sua carreira ao movimento do stance, mas a 308 será um carro totalmente funcional, voltado para time attacks – provas de volta rápida com regulamento bastante frouxo, onde sempre brotam projetos insanos. Nesse tipo de competição dá-se igual atenção a motor, freios, aerodinâmica e redução de peso com o único objetivo de baixar tempos de volta. Já vimos muscle cars, hot hatches e até sedãs esportivos preparados para time attack. Mas uma Ferrari com motor K24 é algo novo até para os mais calejados. E a combinação perfeita para viralizar automaticamente nas internets, embora esse provavelmente seja o menor dos objetivos.
O maior deles, segundo o próprio Mike, é ter um carro bem acertado, potente, confiável – e, claro, estiloso. “De que adianta andar rápido em um carro feio?”, ele brinca em um dos vídeos sobre o projeto em seu canal. E é aí que entra a segunda parte da heresia: um kit widebody da Liberty Walk (, para quem se interessar em fazer algo parecido). Então temos uma Ferrari com motor japonês e bodykit japonês.
É interessante a filosofia de Mike. Ele diz que a compra da Ferrari, por si só, já seria a realização de um sonho – mas, como é o sonho dele, tudo será feito do jeito dele.
É um projeto de enorme magnitude, claro, mas foi pensado de forma surpreendentemente racional – o que fica evidente ao se analisar o momento da Ferrari 308 no mercado. Fabricada entre 1975 e 1985, a precursora das Ferrari V8 modernas custava entre US$ 20.000 e US$ 30.000 há cerca de dez anos. Hoje, segundo o site DuPont Registry, os preços mais baixos ficam na casa dos US$ 40.000, mas já é possível exemplares impecáveis custando de US$ 150.000 a US$ 200.000. Se esperasse mais, Mike provavelmente teria desistido por causa do preço.
É aí que entra outra questão, e uma que contribui ainda mais para alimentar a ideia de que seu projeto é uma heresia das grandes: o bom estado relativo do carro. Mesmo a mais barata das 308 nos EUA ainda é um carro razoavelmente bem conservado, sem problemas mecânicos irreparáveis ou danos estruturais severos o bastante para “justificar” a transformação em um monstro de Frankenstein como esse.
Ou seja: a Ferrari estava inteira, funcional e até bonita até Mike comprá-la e picotá-la inteira.
“Mas e aí, por que um Honda e não um V8 Ferrari?” É aí, amigos, que entram duas coisas. Primeiro, claro, os custos. Segundo, a vontade de fazer algo diferente e fora da caixa, mas ao mesmo tempo prático e que oferecesse inúmeras possibilidades. Com o V8 origianal do carro, Mike ficaria restrito em mão de obra, receitas de preparação e, convenhamos, confiabilidade para uso pesado na pista. Além disso, a 308 GTBi originalmente não era um foguete: seu motor de três litros com cabeçote de duas válvulas por cilindro e injeção Bosch K-Jetronic entregava módicos 205 cv quando novo – bem “manco”, como adoram dizer os pilotos de teclado. Testada em dinamômetro após a compra, a 308 GTBi de Mike foi ainda mais decepcionante: 143 cv nas rodas.
O motor K24, por outro lado, é praticamente o oposto: moderno, absolutamente robusto e muitíssimo receptivo a preparações, com dezenas e dezenas de receitas aspiradas e sobrealimentadas para escolher; muito suporte do aftermarket; e facílimo de encontrar – nos EUA ele foi oferecido em uma série de modelos da Honda, do Civic à minivan Odyssey. E já vinha de fábrica com 207 cv, praticamente a mesma potência do motor V8 usado pela GTBi americana (a versão europeia era mais potente, com 214 cv contra os 205 cv do modelo US-spec). No caso de Mike, seu K24 veio de um Acura TSX (um Honda Accord rebatizado, colocando de forma resumida) e está acoplado a uma caixa manual de seis marchas que também será aproveitada pelo projeto.
Mike diz que os motores K da Honda, em especial o K24, estão em uma bela fase para modificações – especialmente agora que existem projetos turbo com mais de 1.000 cv sem modificações no miolo. Agradeça ao overengineering da Honda, Mike!
No vídeo abaixo, Mike também aborda a questão do peso: o motor F106 da 208 GTBi pesa, com todos os acessórios, cerca de 385 kg. O K24, por sua vez, tem apenas 140 kg nas mesmas condições – mesmo que, olhando por fora, os dois motores não tenham dimensões tão diferentes assim, é inegável o ganho em leveza.
Colocar o motor no carro mostrou-se um desafio moderado, em boa parte porque o V8 da 308 GTBi já era instalado na transversal – instalar outro V8 em posição longitudinal, como o famigerado LS da Chevrolet, era uma opção, mas demandaria um retrabalho consideravelmente maior no chassi. De qualquer forma, Mike teve de fabricar suportes sob medida e também recuar o motor no cofre para alinhar o eixo de saída do câmbio às rodas da Ferrari. Todo o espaço extra no cofre será utilizado para acomodar os acessórios, os coletores feitos sob medida e o turbocompressor Garrett.
Instalar o motor, porém, foi só o começo – ainda será preciso fazer o acerto da ECU e acertar o carro de acordo com a nova potência. E ainda será preciso montar a suspensão e os freios (com direito a coilovers H&R) e o interior, que de acordo com Mike, será feito sob medida.
O projeto pode ser acompanhado no Youtube – Mike explica tudo o que está fazendo com detalhes e, no momento, está às voltas com o bodykit. Te aconselhamos fortemente a conferir tudo antes de formar uma opinião (dá até para colocar legendas em inglês e traduzir automaticamente, caso queira). Mas antes…
O que a gente acha?
Quando o flatouter Maurício chamou nossa atenção para o projeto no grupo secreto do FlatOut, as opiniões se dividiram entre os membros. Alguns disseram que não fariam jamais um swap em uma Ferrari, outros defenderam a ideia de um motor LS, e alguns apoiaram com os mesmos argumentos de Mike – o K24 é mais confiável, oferece mais possibilidades de preparação e custa bem menos. Igualmente, na equipe do FlatOut as opiniões se dividiram.
Não posso falar por meus colegas, mas posso falar por mim: eu não condeno e provavelmente gostaria de dar umas aceleradas nesse carro. Não faria um swap assim, mas não por princípios – por achar que o V8 Ferrari é icônico demais para ser trocado assim ou que as Ferrari são carros sagrados, por exemplo. E sim, simplesmente, porque meu estilo é outro.
Não posso deixar de comentar, porém, que o carro já está causando polarização – , possivelmente a maior concentração de donos e entusiastas da marca de Maranello. O projeto foi postado lá por outro usuário e imediatamente surgiram críticas e elogios em igual proporção. Não se pode agradar a todos. Mike até apareceu por lá e apresentou os argumentos que reproduzimos aqui, conseguindo apoiadores e detratores.
A principal crítica: Mike pegou uma Ferrari inteira demais. Acontece que, segundo o próprio, simplesmente não se encontra carros como esses em desmanches, prontos para receber um motor novo – se ele tivesse encontrado um, provavelmente teria optado por pagar menos e incomodar menos gente.
Sem dúvida alguma esse carro ainda vai render bastante pano para a manga e algumas discussões aqui nos comentários. Você está ansioso para ver essa Ferrari com quatro cilindros girando a 9.000 rpm ou acha herege demais?
Fotos: Mike Burroughs/Stanceworks
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