A personalidade e os gostos de uma pessoa começam a se formar logo na primeira infância, a partir dos quatro ou cinco anos de vida. As brincadeiras que você faz, os brinquedos que você tem, os estímulos que você recebe e as habilidades que você desenvolve nessa fase da vida ajudam a definir quem você será dali em diante. Se você está no dia 12 de outubro lendo o FlatOut, é bem provável que seus brinquedos dessa fase da vida tivessem quatro rodas como os meus tiveram.
Acatando uma sugestão dos leitores e mergulhando em uma retrospectiva introspectiva, trago hoje uma viagem por alguns brinquedos marcantes dos anos 1980 e 1990 para quem se tornou um entusiasta nos anos 2000.
Se me permitem um toque pessoal, pensando nessa história de formação dos gostos pessoais e começando a relembrar os brinquedos lá da segunda metade dos anos 1980, notei que sempre tive carrinhos e afins ou brinquedos musicais como xilofones, pianos de brinquedo e até um teclado eletrônico. Mais de 30 anos se passaram e meus brinquedos continuam assim, apenas mais caros e maiores.
Mas divago, como diria Marco Antônio Oliveira. Voltando a 1985 e às mais vagas das minhas memórias, eu preciso citar meu primeiro brinquedo de quatro rodas — que, na verdade, tinha mais de quatro rodas porque era um trem de madeira com pinos coloridos simulando os passageiros. O trenzinho era chamado “piuí”, segundo as anotações que minha mãe fez em um álbum, mas é um trem genérico vendido até hoje — e que você deveria dar para seu filho nos primeiros anos.
Depois, quando eu mal tinha completado dois anos, ganhei um jipe elétrico daqueles de sentar e dirigir. Não era como os modernos, porque as rodas dianteiras eram fixas e ele tinha um daqueles direcionadores circulares na parte de baixo. Era um brinquedo para usar dentro de casa e para crianças de até três ou quatro anos. Nunca mais vi um igual — nem para ilustrar essa matéria. Como ele ficou guardado até depois do nascimento do meu irmão mais novo, eu lembro de detalhes do jipinho, como o direcionador e o compartimento de pilhas, que usava nove pilhas tamanho D embaixo do banco.
Supermáquina, Trombada, Vai e Volta
Já mais consciente e habilidoso, ganhei os brinquedos que hoje são os clássicos da época: o caminhão de fricção da Supermáquina e a própria Supermáquina, o Trombada e o Vai e Volta. O conjunto da Supermáquina era da finada Glasslite, e era apenas uma reprodução dos veículos que passavam na série de TV — e, como na série, o carrinho entrava na traseira do caminhão; era a graça do brinquedo.
Depois havia o Trombada. Se você teve um desse certamente irá lembrar do cheiro da borracha que formava a dianteira desse carrinho. E ela era de borracha porque batia e deformava.
Foi produzido pela Estrela durante os anos 1980 e dispensava pilhas. Era uma réplica do Dodge Daytona Turbo Z dos anos 1980, e seu funcionamento era bastante simples: ao bater com alguma força em qualquer obstáculo firme, sua dianteira se retraía, e as portas se abriam, simulando um acidente de verdade. Para arrumar, bastava abaixar a tampa do porta-malas que a frente se consertava.
O outro, o Vai e Volta era uma evolução dos antigos Bate e Volta. O modelos originais eram elétricos, e precisavam de duas pilhas D. Lançados em 1978, foram os primeiros modelos do tipo e andavam em linha reta até bater em um obstáculo. Quando isso acontecia o sistema direcional girava e o carrinho mudava de direção para seguir em movimento.
Em sua primeira versão o modelo era uma réplica do Fusca, e era oferecido nas versões Sedan, Camping, Polícia, Pronto Socorro e Bombeiros. Depois veio o Fiat 147 em 1981, e o Chevrolet Monza em 1984 — ambos eram oferecidos como Bombeiro, Ambulância e Polícia Rodoviária.
Mais tarde vieram os modelos Vai e Volta. O sistema era bem mais simples, porém dispensava pilhas. O carrinho tinha um eixo dianteiro rotativo de 180 graus. Você lançava o carrinho para longe e o movimento das rodas carregava um sistema de corda que girava o eixo ao contrário para trazer o carrinho de volta ao lançador.
O Vai e Volta teve duas versões: a primeira era um Mazda RX7 FB, do início dos anos 1980, e era oferecido em azul, amarelo e vermelho. Depois houve uma versão picape cujo modelo não identificamos. Mais tarde o Vai e Volta virou um Camaro de terceira geração também oferecido nas mesmas cores.
Ferrorama, Autorama, Motorama
De todos os “rama” que a Estrela ofereceu no Brasil, não tive nenhum. Mas algum tio ou primo teve. Por sorte, tive dois tios muito próximos, um deles “apenas” 20 anos mais velho, outro somente 9 anos mais velho. Então alguns brinquedos deles, guardados na casa dos meus avós, acabavam se tornando meus brinquedos temporariamente.
Destes, o que mais usei foi o Ferrorama, aquele primeirão, da caixa azul com o logotipo cromado. Era o modelo XP300, com locomotiva de estilo clássico (onde ficavam as pilhas tamanho C), o vagão de carvão, o vagão tanque e o vagão de carga. Como não era exatamente novo, faltavam peças e eu improvisava trilhos diferentes, passando por baixo dos sofás e móveis da sala de estar da Dona Maria.
Por alguma razão, um dia ao chegar para as férias o autorama estava maior e com mais peças. Provavelmente um dos meus primos misturou o XP500 ao XP300 do meu tio. O XP500 tinha pilastras para elevar a pista e fazer pontes. Ou seja: agora o trem poderia sair de baixo do sofá e passar por cima do pé da mesa de centro antes de voltar para o túnel de tapete.
O Autorama da Estrela era brinquedo da casa da outra avó, de um tio que fazia faculdade em outra cidade e nunca estava em casa. Por isso o caminho para o autorama ficava livre. O modelo era o “Série Corrida dos Campeões” com a pista Grande Prêmio Brasil, que vinha com o Williams de Piquet e uma Ferrari desatualizada — aparentemente a 312T, que deixou de ser usada em 1980.
Anos mais tarde, quando consegui subir em escadas e fuçar a parte de cima dos armários, descobri o autorama que foi do meu pai, um modelo Tyco produzido pela Estrela em 1966, com um Simca-Chambord e um Fusca. Nunca o liguei porque era muito antigo e frágil.
Por último, lembro do Motorama, mas nunca cheguei a brincar muito com ele, porque era um brinquedo sem-graça, honestamente. Era uma pista em 8 com um slot no qual uma moto movida a corda corrida lado a lado com outra.
A pista tinha uma rampa tipo gangorra para não ficar completamente sem graça, mas nada além disso. Para piorar, mecanismo de corda não tem hora de parar, então a moto às vezes ficava parada no meio da pista, dando uma baita broxada na corrida. É por isso que quase ninguém lembra dele.
Tomy Racing Cockpit/Turbo Drive
Um dos grandes brinquedos entusiastas dos anos 1980 foi o Tomy Racing Cockpit, vendido no Brasil a partir de 1990 pela Tec Toy com o nome Turbo Drive. Foi quando ganhei o meu — e comecei a carregá-lo para cima e para baixo, como se fosse um negócio pequeno e leve para um garoto de seis anos.
Trata-se de um cockpit totalmente analógico com uma tela de projeção que exibe uma pista circular retroiluminada onde você precisa dirigir o carrinho sem bater ou sair da pista.
O câmbio à direita é, na verdade, o seletor de velocidade e o volante tem uma ligação mecânica direta com o carrinho exibido na tela. O brinquedo foi lançado em 1986 no Japão e logo ganhou o mundo. Usava quatro pilhas D e na parte de trás (ou da frente) lembrava vagamente um Porsche 911.
Havia ainda uma versão mais simples, o Video Driver Junior, que não tinha painel de instrumentos e o carrinho ficava fixo na tela mesmo com o brinquedo desligado. O funcionamento era o mesmo, mas o câmbio tinha apenas duas velocidades.
As miniaturas e os kits de montar
Já chegando aos anos 1990 — e com os importados começando a dar as caras, ganhei as primeiras miniaturas. Eu já havia ganhado um daqueles ônibus que a bandeirante fazia, com carroceria metálica e pinturas de empresas nacionais, mas o negócio começou a ficar sério quando meu pai me deu um kit Revell nível 1, de pressão, sem cola, de uma picape GMC de raspar neve. É claro que não fazia sentido algum pra um moleque de seis anos, mas pela primeira vez eu estava montando meu carrinho, em vez de desmontar.
Na mesma época aquelas miniaturas chinesas de corda começaram a aparecer com modelos do Mercedes R017, Ferrari Testarossa e F40, sempre com rodas iguais:
E também as miniaturas mais sérias, da Burago, que ainda era italiana, apareceram nas primeiras importadoras. Claro, elas eram caríssimas, mas eu consegui comprar algumas e ganhar outras. Destas italianas tive uma Ferrari 456GT 1:24, Alfa Romeo 8C 2300 Spider Touring 1:18, Benetton B190 1:18 e um kit de montar do Corvette 1957, também 1:24.
Em compensação, havia as miniatura da Maisto e da série Road Tough, que eram significativamente mais baratas e me ajudaram a montar minha garagem em escala. Destas eu consegui comprar o Ford Thunderbird 1955, duas Chevrolet Nomad 1957 e um Toyota Land Cruiser 1989, todos 1:18. Minha última miniatura foi comprada em 1997, quando eu já tinha 13 anos e comprei uma Dodge Ram R/T 1:24 da Maisto. Nessa mesma época ganhei um violão e mudei meu foco temporariamente para outros “brinquedos”. Mas isso é papo para outra hora.
Enquanto isso, aproveitem para fazer o mesmo nos comentários e recapitular os brinquedos que influenciaram vocês nessa estrada rumo ao entusiasmo automotivo. A caixa de comentários é toda de vocês!