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Vale a pena comprar um carro antigo para restaurar?

 

 

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Carros antigos estão ficando estratosfericamente caros, todos nós sabemos (a maior parte das razões está neste post aqui). Os Ford Maverick e Dodge V8 nacionais impecáveis chegaram ao preço em que estavam os americanos há alguns anos e, com isso, os Camaro e Mustang da década de 1960 estão no preço dos Porsche. Muitos dos que sonhavam com clássicos nacionais, como Gol GTi, Karmann-Ghia e Opala seis cilindros, ficaram a ver navios.

E daí surge o impulso inevitável de adotar um clássico para restaurar. Com funilaria pra fazer, motor para retificar, que precisa de tapeçaria, aquela pechincha que o cara pede metade (ou menos) do valor de um inteiraço. Afinal, dá pra ir curtindo, restaurando-o aos poucos e talvez fique até mais barato do que pegar um impecável, não é mesmo? Num pedaço de papel você chuta valores e só sorri. Parece a fórmula mágica para a felicidade antigomobilista, o caminho secreto para se ver livre da especulação. Mas… será que é assim na prática?

KarmannGhia

“Depende muito” soa como diagnóstico de virose dado pelo médico, então vou direto ao ponto: pegar um carro que precisa de restauração não vale a pena financeiramente em 90% dos casos. Sei que é péssimo jogar a água no seu chope logo de saída, especialmente porque muitos não possuem a condição financeira para comprar um antigo em estado de bom para ótimo e partir para o caminho simples: cuidar apenas de detalhes, sem precisar fazer uma epopeia de restauração. Mesmo quando impecável, carro antigo é dor de cabeça certeira. Um para restaurar por inteiro tende a levar mais tempo e causar mais stress que construir uma casa inteira.

 

É uma roubada. E nós amamos

De qualquer forma, é importante você ter uma enorme noção real, não idealizada, do que é dirigir e possuir um carro antigo (não perca nosso artigo a respeito disso), especialmente do começo da década de 1980 para trás. A empolgação de ter um muscle car ferve o sangue de quem assiste “60 Segundos” ou “Velozes e Furiosos” até hoje. Gente que está acostumada com automóveis atuais, que são incríveis e confortáveis – mesmo um popular. Esterçar o volante não requer esforço físico algum, não há folga, os pedais estão no lugar certo, são macios e possuem curso adequado, o câmbio é preciso, você consegue ler o painel, o medidor de combustível realmente mede o nível de combustível, mas, acima de tudo, ele funciona quando você precisa, seu interior não é a reprodução do caldeirão de Lúcifer e você não vai sair defumado de combustão a cada passeio.

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Foto: Reginaldo de Campinas

Porque é assim que carros antigos são. Ao adotar um, você está deixando de usar um laptop da Apple para voltar a datilografar em uma Olivetti. Eles são desconfortáveis, exigem força, não são ergonômicos, esquentam. Falham sem razão. Quebram do nada. E como quebram. Mesmo carros impecavelmente restaurados podem deixar seus donos na mão, sem mais nem menos. O conserto é caro, problemas vão e voltam, a durabilidade dos componentes é bem menor e as oficinas especializadas costumam ser bem lentas – isso sem mencionar o prazo para a chegada de peças importadas que não existem em nosso mercado. Ah, e não há seguro nenhum: contra roubo, contra acidentes, nada – no máximo há cobertura para terceiros.

Este parágrafo acima é a parte que não aparece quando você vê aquele cara passando com um Opala SS laranjão numa tarde de domingo e fica devaneando em estar lá, no banco do motorista. There’s no free lunch – e, no caso dos antigos, o rango é bem salgado. O trecho acima vale especialmente para você, que não está nadando em dinheiro e que não pode comprar aquele carro de restauração digna de concurso. Quanto pior o estado do carro e quanto mais raro ele for, maior é a roubada: isso soa óbvio, mas o impulso de ter um antigo cega muita gente. Por isso, guarde isso em sua cabeça, independentemente de sua condição financeira. Carros antigos são um saco sem fundo e vão consumir sem piedade seu saldo bancário e sua paciência: você gosta deles o suficiente para encarar a empreitada?

 

Alguns cuidados e atitudes essenciais

Conselhos aos marinheiros de primeira viagem (caso você seja um antigomobilista experiente, não deixe de contribuir na área de comentários!): primeiro, evite carros muito raros ou complexos que necessitem de restauração ou de manutenção mais pesada. Eu sei, o Opel Manta é um carro maravilhoso. Ah, irresistível este Datsun S30 ou aquele Subaru SVX. Fantástico Saab, incrível Citroën DS! É…

SubaruSVX

São carros cujas peças praticamente inexistem no Brasil, você ainda não vai saber se virar sozinho para encontrá-las aqui ou lá fora, não conhece o carro suficiente para diagnosticar o que ele precisa, desconhece o meio para saber qual oficina é confiável. Enfim, as chances são grandes de você ir parar nas mãos de um mecânico que vai precisar aprender a mexer no seu carro e rezar para ele não ser um curioso nem mal intencionado com a sua carteira. E lembre-se: antigos são sensíveis e sempre precisam de atenção.

Segundo ponto: estilo. Desencane de partir para o extremo da originalidade ou da preparação pesada. São os dois grandes torradores de grana: carros muito fuçados exigem peças caríssimas, mão-de-obra de altíssima qualificação (sobram falsos preparadores no mercado) e correm o risco constante de quebra. E o meio antigomobilista clássico é patologicamente exigente com detalhes insanamente caros que são pífios para quem vê de fora. Se você restaurar um carro inteiro, mas errar na padronagem da textura do vinil do teto ou do banco, seu querido antiguinho vai ser humilhado publicamente e pelas costas. O que fazer?

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Foto: Batistinha Garage

Esqueça a opinião dos outros. Original, preparado ou customizado, não faça o seu carro para agradar panelinhas de encontros, fóruns e clubes – o automóvel é seu, faça dentro das suas limitações! Se você é um mortal, vai precisar abrir mão de algumas coisas. Não vai dar pra comprar aquele vinil idêntico ao original. Talvez o jeito seja restaurar aquele par de lanternas, pois as originais de estoque antigo estão custando alguns milhares de reais. Se você quer transformar o seu Gol em um GT, faça. Se quer pintar o seu Charger de vermelho apesar de ele ser branco na plaqueta de fábrica, vá em frente. É seu.

Brasileiro adora dar apito e fofocar sobre o que é dos outros – a confusão entre o privado e o público é uma característica nossa e o fato de o carro antigo ser encarado como “patrimônio cultural” dá o estranho direito de quem não paga as suas contas de apontar o dedo para você. Vale a nota de que os idealistas mais chatos de Facebook, fóruns e encontros geralmente não possuem nada na garagem que represente ideologia tão intolerante. Isso não quer dizer que os gurus não vão se manifestar frente à sua possível heresia. Eles vão opinar e normalmente vão te advertir sobre as consequências mais clássicas da personalização (perda aguda de valor de mercado, desperdício de um modelo raro, contradições culturais), mas em última instância, tendem a respeitar o fato de o carro ser seu.

Terceira dica: Google, Amazon e estude muito antes de teclar. Antes de comprar o carro, procure por problemas típicos do carro que você quer, guias de inspeção, leia toneladas de páginas virtuais em fóruns (com um cuidado: tem muita gente que não tem a menor ideia do que está falando e o faz com muita convicção – sempre procure uma segunda ou terceira opinião), compre livros específicos na Amazon – não aqueles com a história, mas livros de mecânica e de restauração, os famosos “how to”. Sim, você vai precisar ter um inglês afiado, meu chapa. Faça tudo isso incansavelmente por meses antes de sair feito tonto perguntando obviedades em fóruns.

Manuais

Essa dica é de ouro: donos de carros antigos e preparados odeiam gente preguiçosa, que cruza os bracinhos esperando a resposta cair do céu – especialmente hoje em dia, em que o antigomobilismo virou moda e trouxe uma enxurrada de leigos apaixonados por um verão. E cada groselha que você fala mancha a sua reputação. Pense neste meio como uma espécie de aldeia indígena: você tem mais chances de ser bem recebido se falar pouco, observar e estudar muito, ser humilde e tentar caçar, mesmo que de forma esdrúxula. A chance de receber ajuda é maior assim do que pentelhando gente que você não conhece.

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Agora, releia o parágrafo acima na ótica de você, leigo e que acabou de comprar um carro todo f*dido, que precisa de uma restauração digna do Overhaulin’. Entendeu por que não vale a pena comprar um antigo para restaurar em 90% dos casos? São altíssimas as chances de você virar um mendigo de informações, pingando de um mecânico para outro, sofrendo com eletricistas, funileiros e tapeceiros (isso se chegar a este estágio), comprando um monte de peças erradas, entrando em uma furada atrás da outra. Isso já acontece com quem tem experiência, mas com novatos o tombo é sempre pior.

 

O caminho das pedras

Então o sonho acabou? Dane-se o mundo dos antigos? Calma. Vamos falar agora sobre um bom caminho. As dores de cabeça estarão lá, mas tenderão a ser menores se você seguir esse guia abaixo.

1) Só vá atrás de comprar um antigo depois que você tiver estudado seriamente todos os seus detalhes e defeitos. Lembre-se dos livros importados, do Google e dos fóruns. Há também os manuais técnicos, que ensinam o passo-a-passo de serviços e reparos e podem ser encontrados no eBay ou Amazon. Eles são importantes para identificar defeitos e eventuais problemas.

E para estudar assim você vai precisar escolher um carro, não ficar naquele dilema de cinquenta modelos idealizados. Se apresente num fórum e acompanhe-o por algumas semanas sem falar muito. Você vai descobrir quem são os gurus, quem são os intolerantes, os piadistas, etc. Vai descobrir que existem encontros. Compareça, se apresente, mas não seja inconveniente. Muitos deles podem virar amigos pessoais. Por isso, pense bem antes de bater teclas, especialmente em discussões acaloradas.

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2) Desde o começo acompanhe os sites de anúncios para ter uma noção de valor de mercado. Se você encontrar um carro que você se apaixonou, encaminhe o anúncio para um ou outro guru do fórum e peça a opinião dele – 90% dos carros anunciados são carros conhecidos pelo meio. Talvez o cara não responda – não se ofenda com isso. É importante ter o aval de um funileiro e de um mecânico de confiança – se você não possui ninguém, procure referências publicamente. E não se desespere nem compre com pressa: todos nós já perdemos aquele carro que parecia ser a única chance do universo. Sempre aparece outra coisa bacana, mesmo que leve alguns meses.

3) Além de ver carros, pesquise a fundo preços de peças no Brasil e na gringa e de mão-de-obra. Aos poucos, você vai descobrir outros lugares além do Mercado Livre. Vai descobrir que comprar peças em encontros quase nunca compensa e que algumas peças de acabamento novas e importadas são mais baratas que as usadas no Brasil. E também vai descobrir que um par de lanternas pode custar a metade da retífica de um motor. Por isso, não subestime nenhum detalhe do carro que você quer comprar.

4) Se você é inexperiente, não compre um carro antigo que precise ser desmontado – deixe esse emaranhado de nós sem fim para quem já tem alguma milhagem. Você vai precisar restaurar frisos, comprar borrachas novas, pagar a mão-de-obra do desmonte e do remonte, podres novos serão descobertos, parafusos podem ser perdidos, peças podem ser quebradas ou furtadas – e, com tudo isso, é bem fácil gastar dezenas de milhares de reais (sim, dezenas) em detalhes. Isso sem falar na síndrome da Jaque: “já que desmontei, vou anodizar todos os parafusos. Já que tá tudo fora, vou fazer um chicote novo. Já que arranquei o interior, vou refazer a tapeçaria com couro legítimo. Já que o câmbio tá fora, vou dar uma geral e trocar os sincronizados – ah, tem o diferencial também né! Já que o motor foi desmontado, vou prepará-lo. Já que o motor foi preparado, vai precisar de freios e de suspensão redimensionados. Já que tenho esse conjunto, precisarei de pneus melhores…”. E assim a gente chega a uma restauração de mais de R$ 100 mil.

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É o seguinte: compensa mais ter um carro muito bom de lataria e pintura com motor rajando que outro com motor perfeito e lataria podre. Afinal, na pior das hipóteses você troca de motor (por isso é importante não pegar modelos raros) – e não dá pra fazer isso com um monobloco estragado. Compre um carro cuja lataria e pintura estejam num estado e cor que você goste.

5) Faça contas de detalhes: não despreze grades quebradas, lanternas danificadas, bancos estragados, painel destruído por um rádio moderno, rodas ruins, pneus gastos e adaptações na mecânica. Lembre-se de que não foram só os carros que sofreram com a especulação: as peças e a mão-de-obra também subiram no telhado. Por outro lado, estes detalhes podem ser resolvidos ao longo dos meses e anos – e o mais importante: com o carro rodando. Não tem coisa que desanima mais do que um peso de papel de uma tonelada parado na garagem.

6) Grana e paciência. Carros antigos quebram, já disse? Junte o dinheiro para comprar o carro e fazer a manutenção básica, mas tenha uma reserva e um plano (telefones de guinchos, garagem segura onde ele pode ser encostado) para imprevistos. Eles sempre acontecem – mesmo com carros dignos de exposição. Por isso, não se frustre nem desista do sonho tão facilmente – o antigomobilismo exige determinação e paciência. E, sim: você vai gastar muito mais do que planejou naquele pedaço de papel. Vai gastar muito mais do que o mecânico te orçou. Na verdade você vai continuar gastando até o fim dos tempos, porque um antigo sempre precisa de atenção.

7) Quando é bom e rápido, não é barato. Quando é barato e rápido, não é bom. Quando é bom e barato, não é rápido.

8) Quando você tem tesão e tempo, não tem grana. Quando você tem grana e tesão, não tem tempo. Quando você tem tempo e grana, não tem tesão.

9) Carros americanos são os mais fáceis de serem mantidos, porque a indústria de peças aftermarket é monstruosa e os motores tendem a ser robustos. Mas atenção: os detalhes estéticos destes carros estão muito caros e os motores custam uma fortuna para serem restaurados ou preparados. Dificilmente você vai gastar menos de R$ 20 mil num desmonte e retífica básica de um V8. Uma preparação de ponta? Pode passar dos R$ 50 mil sem dificuldades.

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10) Com uma ou outra exceção, carros brasileiros da década de 1980 e 1990 são mais em conta de serem comprados, mantidos e restaurados. Mas algumas peças de acabamento são quase impossíveis de serem encontradas, porque o volume de produção no Brasil é ínfima perto da escala mundial. Não subestime nada: um carro nascido em 1985 tem 30 anos nas costas! Importados da década de 1980 e 1990 também são boas apostas, principalmente aqueles que foram vendidos em abundância nos EUA (de onde você vai poder importar peças) – mas o motor e o câmbio precisam estar em bom estado. E não deixe de conferir o valor dos sensores e principalmente das centrais eletrônicas (ECU). Algumas custam mais do que o próprio carro! Vale a pena você dar uma olhada nas nossas listas de carros desta época cujos preços ainda não estão no céu: parte 1 e parte 2.

11) Seu mecânico vai virar um cara mais importante que o seu chefe: se você conseguir achar um cara de confiança, competente e com boa reputação no meio, sua vida está resolvida. Na contramão disso, um mecânico mau-caráter e/ou incompetente pode arruinar a sua relação com o seu carro antigo. Tenha paciência com ele – o clássico, não o sujeito.

12) Existem alguns cursos de restauração de antigos que podem ser muito bacanas para você, mesmo que sua ideia não seja meter a mão na massa. É importante ter uma noção até para fazer o acompanhamento. Dê uma olhada na – alguns são inclusive on line! Outra opção são os cursos de mecânica do Senai, muito usado por entusiastas de carros antigos e modernos.