É claro que você lembra desta cena: em junho do ano passado, o piloto francês Stéphane Lefebvre sofreu um acidente com seu Citroën DS3 WRC. O Lefebvre saiu ileso, mas o mesmo não pode ser dito do carro, que quase perdeu a roda traseira esquerda mas, inacreditavelmente, conseguiu seguir rodando até a área de serviço. E, acredite se quiser, a equipe conseguiu consertá-lo!
Aliás, “acredite se quiser” não: temos provas em vídeos. Na verdade faz pouco mais de um ano que este vídeo foi publicado no YouTube, mas só agora topamos com ele: a filmagem completa do conserto do carro de Lefebvre na área de serviço do Rali da Polônia. São 30 minutos – é longo, sim, mas é uma verdadeira lição de mecânica e trabalho em equipe.
A gente não está exagerando. É incrível que os caras tenham conseguido realizar um reparo tão abrangente em uma janela tão pequena. É muito provável que Lefebvre tenha saído da pista e caído com o carro em uma valeta e, pelo modo como a roda traseira esquerda se soltou, nota-se que a suspensão foi destruída: apostamos em danos nas mangas de eixo, bandejas, pontos de fixação do amortecedor e, como é um carro de tração integral, as semi-árvores certamente foram danificadas também.
O regulamento do WRC estipula que, uma vez que o carro consiga ir rodando até a área de serviço, ele pode ser consertado e voltar à competição. Há, contudo, algumas regras. Entre elas: o motor não pode ser substituído; apenas componentes que já estavam no carro ou componentes novos, selados, podem ser utilizados; e apenas cinco mecânicos e um engenheiro podem trabalhar no carro. O tempo de reparo não pode exceder 30 minutos.
Com uma equipe bem preparada, é possível operar milagres. Confira o vídeo abaixo e, logo em seguida, screenshots com nossos comentários para entender o que está acontecendo. Vale a pena acompanhar tudo: você vai ficar de queixo caído.
O carro chega com a roda pendurada e um dos mecânicos avalia o estado dos danos enquanto o DS3 ainda está sendo levantado com o macaco.
Primeira coisa: remover uma a roda…
… enquanto os fiscais de prova (os caras de jaqueta preta) observam tudo:
Sem a roda, dá para ter uma noção melhor do estrago:
Por volta dos 2:20 de vídeo: os danos à suspensão já foram avaliados e outro mecânico se enfia embaixo do carro. Ele, então, dá início à pequena saga de remover o subchassi traseiro (que é tubular e feito para ser removido e reinstalado facilmente). Enquanto isso, outros membros da equipe ficam encarregados de remover o amortecedor, a manga de eixo e o cubo da roda. Estas peças todas serão trocadas por componentes novos e lacrados.
O mecânico que está cuidando do amortecedor precisa reparar a torre da esquerda, ou o novo conjunto não poderá ser instalado da forma correta:
Na marca dos sete minutos, finalmente o subchassi é removido, com diferencial e tudo. Ali atrás, o diferencial novo já está esperando para ser instalado:
O subchassi danificado será descartado…
… e o novo já está ali, também:
Enquanto isto, simultaneamente, o novo amortecedor traseiro começa a ser instalado. Já se passaram quase dez minutos:
Nos dez minutos seguintes, o trabalho se resume a instalar as placas que protegem os arcos de roda dos detritos do piso e acertar o posicionamento do diferencial, do subchassi e do conjunto formado pelo amortecedor, cubo de roda e manga de eixo. É uma tarefa problemática, pois a estrutura superior também sofreu deformações. A marca dos 20 minutos é atingida.
Enquanto isto, outro mecânico saca a ferramenta de ajustes de precisão: um martelo. Jeremy Clarkson feelings:
Sem este “delicado” trabalho, não será possível encaixar a nova lanterna traseira. Com lâmpadas de LED, repare como ela é fina:
Com a lanterna encaixada, perto dos 26 minutos o para-choque traseiro novo finalmente pode ser colocado. Sim, ele tem uma placa, porque os carros do WRC precisam ir rodando de um estágio a outro por vias públicas.
Olhe como é sofisticada a maneira de prender o para-choque: fita adesiva e mais algumas marteladas. Já se passaram os 30 minutos. O excedente é registrado com penalidade. A lanterna nem está ali ainda, mas o pior já passou:
Carro no chão:
O motor liga, as lanterna acendem e Lefebvre já está lá dentro. Ele sai em disparada, em meio a aplausos.
É claro que o carro não fica perfeito — é preciso fazer somente o mínimo para que o DS3 fique operacional e possa seguir a competição, mas o alinhamento da suspensão e sua geometria estão diferentes do que foi projetado originalmente. Por sorte, uma das grandes habilidades dos pilotos de rali é adaptar-se rapidamente às condições do carro, pela própria natureza da competição, que maltrata bastante o conjunto mecânico.
Mesmo com o acidente e os 31 minutos perdidos no reparo, Lefebvre conseguiu completar o Rali da Polônia no ano passado, e ficou em nono lugar na classificação geral.