Nas primeiras décadas do século 20, um jeito muito comum de promover sua fabricante de automóveis era fazer um carro com um motor gigantesco para quebrar recordes de velocidade — o mais famoso deles talvez seja o Blitzen Benz, que era o carro mais rápido do mundo em 1909, mas outras companhias fizeram esforços semelhantes — como a Fiat, que em 1910 e 1911 fez o Fiat S76, a Besta de Turim, dotado de um motor de quatro cilindros e 28,5 litros — que, vejam só, foi ligado pela primeira vez em mais de 100 anos no último fim de semana.
O recorde de carro mais rápido do mundo na época fora estabelecido em 1909 e pertencia ao Blitzen Benz que, com seu motor de 21,5 litros e 200 cv, chegou aos 202 ,7 km/h em 1000 metros no Circuito de Brooklands, Reino Unido. Em 1910 a Fiat decidiu que era hora de alguém clamar para si este novo recorde e começou a construir seu carro recordista — na verdade, foram dois carros, construídos entre 1910 e 1911.
O carro não tem visual muito diferente dos outros carros daquela época fora o fato de ser vermelho — a “cor nacional” dos carros de competição italianos na época —, e o seu diferencial está mesmo no motor: um verdadeiro monstro de 28,5 litros que, apesar do tamanho e da idade, tinha alguns recursos bem modernos, como três velas de ignição por cilindro, comando de válvulas no cabeçote e 16 válvulas — quatro por cilindro, como a maioria dos motores de quatro cilindros hoje em dia.
O resultado era de absurdos 300 cv, que até fizeram com que a Fiat rebatizasse o carro como 300 HP RECORD — impressionante mesmo quando se leva em consideração que a potência específica era de apenas 10,5 cv/l.
Depois de ficar parado por quase um século, o S76 foi totalmente restaurado em 2014. Na verdade, foi mais como a construção de um S76 novo a partir dos componentes que restaram dos dois carros fabricados no início do século. Esperava-se que o caro ficasse pronto a tempo do Goodwood Festival of Speed em junho, mas o processo acabou demorando um pouco mais. No último fim de semana o motor finalmente foi ligado pela primeira vez. Tudo foi registrado em vídeo, e o resultado é assustador e maravilhoso ao mesmo tempo.
[vimeo id=”113158655″ width=”620″ height=”350″]
O vídeo começa com uma música calma algumas imagens da restauração, montagem e acabamento no carro — um time lapse que por si só já é bem legal de se assistir, diga-se. Então, exatamente ao minuto 1:58 do vídeo, o estrondo. A voz de trovão da besta de 28,5 litros que chacoalha todo o carro com o torque na partida e quase tomba o carro todo (os coxins devem ser de adamantium, só pode). O ronco é MUITO ALTO, e dá para ver até qual é a ordem de ignição dos cilindros pelas saídas de escape, que ficam parecendo metralhadoras antigas. É certamente um momento único.
Mas, afinal, qual foi o recorde que este carro quebrou? Nenhum — ao menos não oficialmente. Em 1913, o francês Arthur Duray levou o carro para a Bélgica para tentar quebrar o recorde do Blitzen Benz e conseguiu chegar aos 215 km/h ao volante do S76. Contudo, a equipe de cronometradores não conseguiu aferir a velocidade por causa do mau tempo, e o recorde nunca foi oficializado.
Independentemente de tudo isto, porém, é impossível não se impressionar com a coragem desses caras — e com a violência de um motor de quatro cilindros e 28,5 litros em funcionamento.
[ Fotos: Fiat, RaceTech Mag ]