Carros oferecem uma experiência sensorial quase completa. Eles podem agradar a visão, o tato e o olfato – você chega na garagem, dá uma boa olhada nele, entra, senta no banco, sente o volante nas mãos, vira a chave, ouve seu ronco e sente o cheiro da combustão. Então, você pensa “é por isso que eu gosto tanto de carros”. Só não dá para agradar ao paladar, a não ser que você seja do tipo que sai por aí lambendo carros.
Brincadeiras à parte, com a internet a gente pode simular esta experiência. Imagine-se entrando na garagem, onde está seu Mercedes-Benz 300 SLS 1957, abrindo a porta, ligando o motor e ouvindo o ronco fantástico do seis-em-linha de três litros com componentes internos polidos e balanceados, sentindo o cheiro da gasolina invadindo suas narinas e saindo para um passeio. Coloque fones de ouvido e dê o play no vídeo abaixo.
São só 40 segundos e seria melhor se não tivesse música. E não dá para estimular o tato. Mas e daí? Estes 40 segundos foram suficientes para que eu passasse mais que alguns minutos imaginando como seria acelerar este carro em uma bela tarde ensolarada, com o vento nos cabelos e sem hora para voltar para casa. Espero que sejam suficientes para vocês, também.
Só que isto nunca vai acontecer, porque este Mercedes 300 SLS será leiloado pela Bonhams em setembro durante um evento no Castelo de Chantilly, na França. A agência de leilões estima que o carro será arrematado por um valor entre €1,5 milhões e €2,5 milhões. Na nossa moeda, hoje, são R$ 5,6-9,4 milhões. Mais de nove milhões de reais, cara!
O preço talvez seja justificado por se tratar de um Mercedes-Benz 300 SLS, versão de competição do 300 SL Roadster. Nunca se paga menos de US$ 1,5 milhão por exemplar, mesmo que ele não esteja impecável – estes carros valem muito, ficando atrás apenas do cupê asa-de-gaivota.
Este exemplar em especial recebeu uma carroceria de alumínio em meados da década de 1990 e participou da Carrera Panamericana de 1997, chegando em 11º na classificação geral, e em 1º em sua categoria. O piloto, Georg Distler, um empresário alemão residente em Munique, era um grande admirador do piloto americano Paul O’Shea, que em 1957 e 1958 participou de 22 corridas com seu Mercedes-Benz 300 SLS com carroceria de alumínio, chegando entre os três primeiros colocados em 18 delas. Os circuitos em que ele competia eram Laguna Seca, Watkins Glen, Road America, Riverside, entre outros.
Em 1986, Distler comprou seu próprio 300 SL, e decidiu que homenagearia Paul O’Shea colocando uma carroceria de alumínio no carro e indo disputar com ele a corrida de mais de 3.200 km nas estradas dos EUA e do México. Foi um trabalho árduo, que levou mais de dois anos. Originalmente, apenas o capô, as portas e a tampa do porta-malas são de alumínio, enquanto todo o resto é de aço. Para que os painéis de alumínio fossem confeccionados, Distler conseguiu acesso aos blueprints originais da Mercedes-Benz e contratou ninguém menos que a carrozzeria Zagato para executar o serviço.
Um dos detalhes mais bacanas deste carro: os furos nas portas para reduzir peso sem alterar sua resistência
A armação dos bancos também foi substituída por peças mais leves, os faróis foram trocados pelos de especificação americana (maiores e duplos), e o sistema de escape foi trocado por um 6×2. O câmbio é um Getrag de cinco marchas, os freios são a discos, e o motor recebeu um radiador de óleo, ventoinha elétrica e um alternador. Os componentes internos foram todos polidos e balanceados, e um tanque de combustível de competição moderno foi colocado lá atrás.
Como resultado das modificações, o seis-em-linha de três litros e 255 cv (com sistema de injeção direta, um dos mais modernos de seu tempo) ficou tinindo, e o carro ficou cerca de 300 kg mais leve. Não foi à toa que Distler conseguiu um desempenho tão bom na Carrera Panamericana de 1997, chegando em 1º na sua categoria e em 11º na classificação geral. Não duvidamos que alguém decida comprar seu carro e pague com gosto quase R$ 10 milhões por ele.
Vamos admirar seus detalhes mais um pouco: as curvas da carroceria de alumínio, o capricho no revestimento azul do interior (que nem parece o de um carro de competição), o detalhe do pequeno para-brisa e o santantônio atrás do banco do motorista. Se quiser, pode até dar play no vídeo e deixar a imaginação voar mais uma vez.