Você conhece o ? Se você acompanha a comunidade entusiasta dos carros na Internet, é bem provável que já tenha topado com as histórias do gambá antropomórfico que disputa corridas ilegais ao volante de seu Fusca com câmbio de cinco marchas ao lado de seu melhor amigo, um pombo chamado Jaime, que nunca o deixa na mão apesar de todas as encrencas em que a dupla se mete.
As histórias se passam na década de 1980, quando os carros importados ainda eram um sonho distante e as ruas eram dominadas por Gol e Chevette, Uno e Escort. Com humor ácido, quase escatológico, referências que parecem deslocadas no tempo e muitos, muitos rachas, as histórias do Waguin fazem sucesso entre os fãs de carros na Internet e se espalharam espontaneamente com milhares de curtidas e centenas de comentários e compartilhamentos. Os desenhos produzidos e finalizados à mão nos lembram da infância, e as corridas garantem entretenimento honesto e de qualidade… se você for do tipo que curte carros barulhentos, amizades questionáveis e muitos palavrões.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como , , e muito mais!
Era inevitável que Waguin acabasse no FlatOut, e eu decidi conversar com seu criador para entender melhor de onde veio e para onde vai o marsupial rachador.
Waguin Gambá é uma espécie de alter ego de Leon Pagani, um jovem que mora em São Carlos (SP). Inspirado pela cultura automotiva brasileira, especialmente dos anos 1980, pelos jogos de corrida em 8 bits e pelos mangás e animes sobre carros, Lenon criou uma narrativa engraçada, empolgante e nostálgica que vem divertindo muitos entusiastas pelo Brasil.
A ideia surgiu quase por acaso, no começo de 2020, quando Lenon estava fazendo um curso de desenho e o professor comentou que seus traços eram bons para histórias em quadrinhos. Por causa da pandemia, porém, o curso acabou interrompido. “Mas eu fiquei com aquilo na cabeça”, conta Lenon. “Já tinha feito histórias em quadrinhos na época da escola e pensei que valia a pena tentar.”
Outra inspiração, claro, foi Wangan Midnight. “Certa madrugada, três da manhã, eu estava na Internet e encontrei o filme de graça no Youtube, na íntegra. Resolvi assistir, e foi ali que surgiu a ideia de algo inspirado em Wangan Midnight, mas no Brasil.” Também existem referências a Initial D, mas Lenon acredita que a história de Takumi Fujiwara já recebeu bastante atenção em fanarts (artes feitas por fãs) e coisas do tipo. “Além disso, o drift não tem muito a ver com o Brasil. Em Wangan Midnight os caras aceleram na rodovia, mais parecido com os rachas que se vê por aqui.” Lenon diz que imaginou a maior parte da história naquela madrugada, bem como todos os personagens, seus carros, e até mesmo os rivais que o gambá enfrentará ao longo da história.
Coincidentemente, na mesma época Lenon começou a se interessar pela cultura VEB (Velha Escola Brasil), estilo de customização e preparação que surgiu no Brasil dos anos 1970, com rodas tala larga, suspensão baixa, escapamento Kadron e motor envenenado.
Os personagens são animais e pessoas, em um universo paralelo inspirado pelo desenho Apenas um Show, exibido pelo Cartoon Network, onde esta mistura também acontece. Tudo isto se encaixou para formar o universo de Waguin Gambá.
A história começa com um prólogo: no mesmo dia em que Waguin é reprovado no exame da CNH, seu avô morre durante uma partida de truco. Sua herança: um Fusca com câmbio de cinco marchas e uma dívida com um agiota. Caso não consiga liquidá-la, Waguin e sua mãe perderão a casa.
Quando o agiota vai procurar Waguin para cobrar a dívida, o gambá decide que vai ganhar o dinheiro disputando rachas noturnos pelas estradas da região – que, segundo o noticiário, estão rendendo apostas cada vez mais altas. O agiota concorda e decide até dar uma mãozinha para Waguin, dizendo que seu filho também gosta de correr de carro. E, assim, o gambá se torna piloto de rua.
Waguin e Jaime são melhores amigos. Jaime também mora com sua mãe, a enxuta Dona Dulce e dirige um Monza – e odeia que o confundam com um Chevette. Os dois não entendem muito de mecânica, mas são ajudados por um amigo, o mecânico Toquinha – que quase sempre dá um jeito nos carros da dupla por camaradagem ou em troca de algum favor. Na primeira visita ao mecânico, Waguin descobre que o Fusca tinha não duas, não três, mas quatro Weber 48.
Ao longo do enredo, Waguin vai descobrir que as coisas não são exatamente como parecem. Por quê seu avô tinha um Fusca envenenado? Quem era ele, afinal?
A história toda é feita à moda antiga, com papel, lápis, canetas e um scanner para digitalizar tudo. O estilo dos quadrinhos lembra os mangás, com capas coloridas e páginas em tons de cinza. A inspiração aparece por toda a obra, e transcende a época em que se passa a história: embora os carros sejam todos correspondentes ao que se via nas ruas em 1985, há personagens que homenageiam filmes recentes, games como Midnight Club e Grand Theft Auto, e até mesmo youtubers e ícones da internet, além de amigos (pessoais e virtuais) do próprio Lenon.
Então, não estranhe ao topar com referências a Brian O’Conner (Bráia, o piloto fantasma que dirige um Chevette GP II), com a Brasilia Amarela dos Mamonas Assassinas ou com alguns objetos que ainda não existiam na época, como vending machines, que só chegaram ao Brasil na década de 1990, ou o Viagra que só foi lançado comercialmente em 1998. Em qualquer outra obra, isto poderia ser considerado desleixo ou ignorância.
Mas até mesmo o nome da obra é uma imprecisão: Wangan Midnight, a história de Akio Asakura e do Devil Z, só começou a ser publicada em 1992. Já Initial D, de onde vêm as influências do dorifuto – com direito a uma pegadinha envolvendo o hit “DEJA VU”, de Dave Rogers, e a banda de tecnobrega paraense quase-homônima – estreou nas bancas em 1995. Contudo, como estamos falando do Waguin da Meianoite, estas imprecisões são, na verdade, mais um toque de anarquia.
Porque sim, pessoal: as histórias do Waguin são completamente anárquicas: os rachas terminam em capotamentos, colisões de frente com postes, pedaços dos carros voando por aí e doses cavalares de destruição de propriedade. No fim das contas, Waguin acaba vencendo todas as corridas de que participa – mesmo que sofra acidentes assustadores e saia voando por aí, na melhor tradição dos desenhos animados. Com tudo isto, as piadas voltadas ao público entusiasta, as pequenas homenagens a cenas clássicas do cinema e toda a ação nas corridas.
Não é preciso pegar todas as referências para apreciar a arte de Lenon, porém – e, como se não bastasse, a história principal também promete ser bem empolgante, com a figura misteriosa que aparece no fim do último volume publicado criando um cliffhanger muito bem colocado.
Lenon conta que, nos últimos meses, tem se dedicado totalmente à criação e execução dos quadrinhos, animado pela exposição que as histórias do Waguin receberam do público. “Eu era porteiro, e já desenhava algumas coisas para mim quando não tinha o movimento estava baixo. Passei quase seis meses trabalhando só no prólogo e, quando publiquei, todo mundo recebeu muito bem, curtiu e espalhou.”
Sobre o processo de criação, Lenon diz que tenta fazer tudo da forma mais autêntica possível, mas com liberdades artísticas. “Eu tento deixar os cenários e diálogos o mais ‘brasilzão’ possível, para que todo mundo se identifique. Procuro assistir vídeos de rachas da época – tem muito vídeo feito em Brasília, que tinha uma cena gigantesca de corridas de rua que parecia Need for Speed – e procuro reproduzir as gírias, vestimentas e os carros que aparecem”, conta. “Mas sempre acaba passando alguma coisa, e eu acabo incorporando isto nas histórias.”
Com o sucesso de Waguin, um dos amigos de Lenon até montou uma vaquinha online para ajudá-lo a bancar os custos com material. “Isso me motivou bastante, e agora estou usando todo meu tempo livre para criar as histórias.
Mas não é só isto: a reação do público é o que deixa Lenon mais feliz e disposto a continuar fazendo as histórias. “As pessoas gostam de verdade, mostram para os pais que viveram aquela época, e com isto, os mais tiozões também estão curtindo”, diz. “E tem gente que vem me falar sobre como as histórias do Waguin ajudam a esquecer dos problemas. O cara teve um dia ruim, mas chega em casa, lê a historinha e ri bastante. Às vezes eu tenho que enxugar as lágrimas.”
Você pode conferir . Se quiser contribuir com o trabalho de Lenon e com as histórias do Waguin da Meianoite, você pode