Eu não tinha lá grande experiencia com carros, na verdade pouquíssima. Seria meu segundo carro. Estava muito insatisfeito com um A4 plataforma B5 ano 1995, que me deu uma bela dor de cabeça com a suspensão multi-link que não é muito eficiente em termos de durabilidade na superfície lunar de São Paulo, além disso o câmbio era automático… já deu pra perceber que era talvez um carro bem interessante, mas na hora errada e em mãos inexperientes.
A esposa, à época namorada, sempre comentava do belo ronco dos WRX que vez ou outra ela via nas ruas, conhecido por mim à grande distancia dos rallys (que sinceramente não acompanhava de perto) e dos games, é claro. Surgiu uma oportunidade de me desfazer do A4 que me deixava bem insatisfeito e adquirir um tal WRX, 2005, wagon, aparentemente em ótimo estado. Uma história fantástica foi selada no inicio de 2012…
O carro de família
Subaru é aquele carro que te ganha no test-drive. Você já gosta do som característico do motor, admira o visual, acha interessante a mística e a aproximação ao desconhecido, fica curioso quando abre o capô e repara naquele motor largo e baixo, com um belo intercooler próximo à parede corta-fogo, uma wagon com bancos concha? São várias características que você admira sem nunca ter sequer chegado perto. Mas você realmente decide ao ligar o carro, e sair para um teste prático.
O Impreza WRX 2005 Station Wagon, conhecido como Blobeye, sendo o 2005 o ultimo da sua “espécie”, é um carro com um aspecto muito familiar, mas que entrega a esportividade na suspensão mais dura, no scoop no capô, e é claro nos 218cv originais com 0.9 bar de pressão na turbina TD04-13T. Esse é o ultimo Impreza sobrealimentado fora do território japonês à receber um motor 2.0L, o EJ205, ainda sem o controle de abertura variável de válvulas, o AVCS, que já equipa o EJ207 da versão STI e passaria a equipar todos os Impreza a partir do facelift de 2005, o famoso Hawkeye.
O WRX 2005 vem equipado com cambio manual de 5 marchas, obviamente 4×4 sem controle algum do diferencial traseiro, o que é uma enorme vantagem da versão STI, que sempre vale lembrar só passou a ser importada oficialmente para o Brasil em 2007.
O interior do carro é extremamente simples, vidros e travas elétricos, ar condicionado com controles analógicos, um rádio para 5 CDs, ou seja, sem conforto algum. O ponto alto do interior dessa Station Wagon fica realmente nos detalhes voltados à esportividade e principalmente à segurança. Ele conta originalmente com um volante 3 raios da Momo, 4 airbags sendo o do motorista, passageiro e nos bancos dianteiros, que são belos bancos concha e ainda painel de controles com conta-giros no centro. Ainda no quesito segurança, há reforço estrutural com barras laterais nas 4 portas e na frente do painel porta-fogo, cinto 3 pontas para todos os passageiros, inclusive o central traseiro, e ainda ISOFIX para 2 cadeiras infantis no banco traseiro.
Voltando-se ao conforto, que não é muito, o banco traseiro é bipartido e pode ser 100% rebatido, porta-objetos com descanso de braço entre os bancos dianteiros, porta-copos no console central, banco do motorista com ajuste de inclinação, além dos ajuste de distancia usual, e volante com ajuste apenas de altura, e a partir daqui se quiser mais conforto, terá que partir para outro modelo da marca, como a Forester, Legacy ou talvez uma Outback.
Um ultimo charme que é simplesmente fantástico em qualquer carro é a ausência de molduras nos vidros das quatro portas, um pequeno detalhe que agrada muito, e rende algumas situações bem engraçadas aos manobristas desavisados que tentam automaticamente puxar a porta pela moldura com o vidro abaixado e acabam dando muitos tapas no ar.
A intencional ausência de conforto é totalmente compensada à partir do momento que você, já com bancos e espelhos ajustados e cinto de segurança afivelado, resolve dar a partida. O belo conta-giros central inicia o trabalho de monitoração, dançando sincronizadamente ao ritmo do boxer rumble, com passo ditado pelo coletor de escapamento com geometria desigual, o famoso coletor unequal. Ao acelerar o carro e esticar a primeira marcha até quase 50Km/h, segunda até os quase 100km, o carro me ganhou, definitivamente. Voltei com ele, com a eterna companheira nas aventuras automobilistas, minha esposa, curtindo demais. Até hoje eu me lembro muito do cheiro do interior do carro, muito característico, tudo muito bem conservado, sem rangidos ou qualquer ruído, apenas o boxer rumble como trilha sonora.
O carro não tinha absolutamente nada para fazer em termos mecânicos, apenas o para-choque dianteiro que estava com algumas rachaduras, ocultadas por um vinil branco, que escondia a cor original, o Premium Silver, ou famoso prata.
Estava com um setup 100% original, com rodas pintadas de preto. Era um carro que poderia ser curtido por muito tempo sem qualquer investimento. Era abastecer, usar, fazer as manutenções recomendadas pelo fabricante e curtir. Uma das poucas manutenções preventivas mas significantes foi a troca do kit de embreagem, além disso troca de pastilhas.
Um cenário, que ao longo desse Project Car, vocês perceberão que era extremamente pacato e confortável. E foi assim por bastante tempo. Em quase dois anos com ele, o único upgrade foi uma manopla de cambio, e lembrando disso eu dou belas gargalhadas, porque o contraste com o que o carro se tornou é imenso. E isso é uma das muitas coisas que eu admiro nesse mundo dos carros, incluindo os Subaru é claro: você pode ser extremamente feliz com um carro 100% original ou pode ser extremamente feliz com um carro nada original.
Nesses quase 2 anos de originalidade, eu simplesmente cumpri as rotinas de manutenção, e estive muito feliz. Longas estradas de terra no sul de minas, com um 4×4, com certeza é muito divertido porque te faz lembrar dos anos 90 e da época de ouro da Subaru no WRC, e depois de muita brincadeira, você leva o carro para a oficina, e o mecânico fica muito triste em ter que lhe falar que a única coisa necessária é um belo banho. Então basicamente isso resume os quase primeiros 2 anos com o carro, muito uso, manutenção 100% preventiva, envolvendo apenas trocas de fluído, e sucessivas visitas ao lava-jato.
Após meses com o carro, notei que o vinil branco estava muito sujo, riscado, e com demais marcas do tempo. Resolvi então que iria mudar esse visual, mas por prioridades não poderia partir para pintura ou nada que demandasse muito gasto. O primeiro passo foi saber se a pintura, prata, estava em bom estado. Ao tentar remover o vinil, mesmo com soprador térmico, danificou gravemente o verniz da pintura.
Pensando no custo, parti para a aventura de envelopar o carro com outra cor, usando um tom escuro de azul casando com partes pretas. O trabalho foi intenso, e digo que não recomendo e jamais faria novamente, mas o resultado não foi dos piores. Inclusive lembro que foi tão cansativo, que por algum tempo eu deixei o capo cinza simplesmente por me lembrar do trabalho ingrato em aplicar o vinil, mas o incomodo superou a preguiça e terminei por envelopar o capo e finalizar o trabalho. E assim ficou por muitos meses.
Ok caro leitor, você está lendo um Project Car, e você certamente está começando a sentir-se no marasmo com tanta originalidade. Devo confessar, havia um plano. O plano era montar um setup mais off-road, sem um lift agressivo, inspirando-se exatamente nos carros do WRC. Paralelamente à isso, após já conhecer bastante do carro, eu comecei a planejar uma alteração que muitos consideram que deveria vir já de fábrica.
A versão Sedan do WRX 2005 possui nos para-lamas e o painel traseiro, junto com as portas traseiras, uma porção alargada, que cria um belo vinco sobre as rodas e aumenta bastante a esportividade do visual externo do carro. Infelizmente, a Subaru optou por dar um visual mais sóbrio à versão wagon. Não conformado, decidi que isso deveria ser corrigido, e que essa seria a primeira grande alteração no carro, em uma época que o projeto nem estava ainda muito definido.
Após algumas pesquisas, descobri alguns poucos proprietários nos Estados Unidos que fizeram isso. Basicamente você precisava para a dianteira do par de para-lamas e parachoque do modelo sedan, sendo que essas peças eram 100% plug and play, ou seja, bastava demonstar as originais e montar as do Sedan.
Na traseira, a coisa se complicava mais. Era necessário o par de portas traseiras, toda a porção lateral de cada lado, tampa de combustível, e por fim e opcionalmente o parachoque do sedan, que no meu caso, decidi usar o da versão wagon mesmo. No final de 2013, consegui de um membro do Clube Subaru no Rio de Janeiro as portas traseiras e as laterais de um sedan 2002 doador e fui com minha esposa até lá com o WRX buscar. Agora falta apenas as partes dianteiras para começar a avaliar um bom local para fazer o trabalho.
A grande virada
Primeiros dias de 2014, um sábado ensolarado, aproximadamente 8 horas da manhã, precisei imprevisivelmente fazer um trabalho em um cliente em São Paulo, cidade que moro. Sou uma pessoa que viaja muito profissionalmente, então qualquer oportunidade para dirigir o carro deve ser aproveitada. Resolvi ir com o meu carro. Primeira marcha cheia, engata a segunda e leva até os 100Km/h. Terceira marcha engatada, quase pronto para a quarta. Uma curva bem fechada, e uma infeliz ondulação no asfalto que já não tinha muita qualidade… a ignorância e falta de experiencia falaram mais alto. O resultado só pode ser descrito em fotos.
Ninguém se arranhou, um enorme peso saiu das minhas costas. O dano material pode ser reparado. Por muitas semanas pensei em vender o carro naquele estado ou desmonta-lo e vende-lo em partes. No mesmo dia do acidente, com o carro já na garagem, minha esposa olhou pra mim sorrindo e disse “não ta difícil, dá pra arrumar”. Esse apoio e somando ao fato de que naquele estado pós-acidente o motor ainda ligava sem problemas como sempre ligou passou a me motivar. Decidi que era uma oportunidade não só de reviver um ótimo carro como também aprender algo com isso.
O Track Car
Eu precisava primeiro fazer o carro voltar à ser o que era, e ai sim querer mais. Mas porque não planejar? Há tempos eu ficava acompanhado em fóruns e no Clube Subaru a galera indo para os Track Days, comentando, compartilhando fotos e vídeos. Não eram muitos ainda, mas já havia uma quantidade considerável de eventos. Isso começou a chamar a minha atenção. Decidi que o acidente era uma grande oportunidade de mudar minha postura no trânsito e os track days tinha a reposta para isso e para o projeto que eu estava tentando idealizar.
Resolvi então que a partir daquele momento, toda a reconstrução do WRX e qualquer escolha a partir dali tinha um único objetivo: montar um carro para track days. E você já deve ter entendido o porque do nome do projeto. Como citei anteriormente, a versão wagon não conta com os para-lamas alargados do sedan, então porque não montar um trackcar “wide” com belas rodas taludas? Nasceu ai a ideia do projeto WideWagon.
O primeiro passo foi terminar de adquirir as peças dianteiras da WideWagon, para termos os para-lamas alargados. E já ir adquirindo tudo que era necessário para reconstruír o carro, que se resumia a partes visuais externas. Nenhuma parte mecânica foi danificada. Sequer o condensador do ar condicionado foi trocado.
Comentei lá atrás que o carro era envelopado de branco, depois recebeu um mix de azul e preto. Mas agora o carro seria reconstruído, o que é justificativa o suficiente para aproveitar a oportunidade e fazer uma pintura completa. A primeira cor que vem à mente de qualquer Subarista ou entusiasta da marca é o definitivo Blue Mica, ou World Rally Blue, a cor carimbada da marca. E assim foi comigo. Essa cor ficou na minha cabeça durante muitos meses. Por muito tempo pensei também em pintar na cor original, o Premium Silver.
Eis que um certo dia, na região de Moema, me deparei com uma bela RS6, provavelmente de ano 2014, com uma espetacular coloração cinza fosco, à qual imediatamente pensei ser envelopada, apesar de improvável que uma RS6 recebesse tal tratamento. Na cara de pau, encostei o carro, e fui na loja questionar, e felizmente fui muito bem recebido. Era efetivamente uma cor opcional da Audi, fornecida pela Glassurit, de nome Daytona Gray Matte, ou Cinza Daytona Fosco, recebendo inclusive a dica do código da cor. Após muito pensar, conclui que eu queria algo diferente, não original, então a opção do Daytona Gray Matte era com certeza a que mais me agradava.
Bom, no próximo post vocês iremos falar sobre a decisão na compra das peças, afinal de contas além de estarmos reconstruindo um ícone, iriamos também transforma-lo em um track car: a WideWagon.
Por Deivid de Foggi, Project Cars #492