Não é à toa que a maioria dos entusiastas romantiza o passado do automobilismo, mm seus carros lendários, circuitos clássicos e muito mais perigosos (parece que ninguém ligava muito para segurança), roncos nostálgicos e equipes que não hesitavam em encontrar brechas no regulamento para se dar melhor na competição.
Hoje vamos falar sobre um dos carros mais ousados a competir na NASCAR: o Yellow Banana. Este nome se dá pelo formato do carro, que foi modificado para ficar mais aerodinâmico e, como efeito colateral, ficou com esta carroceria curvada que, amarela, acabou rendendo o apelido.
Em condições normais, um carro assim jamais teria passado na inspeção para competir na NASCAR. Mas 1966 não foi um ano normal para a NASCAR.
Naquele ano, equipes e pilotos já estavam cansados das regras cada vez mais rigorosas para a competição. Big Bill France – o mesmo cara que, no fim da década de 40, havia transformado as corridas de traficantes de bebidas nos ovais de terra em uma competição de verdade –, comprou uma bela briga com a Chrysler em 1965, quando decidiu que o motor Hemi 426 deveria ser banido da competição.
A razão até que era compreensível: o V8 com câmaras de combustão hemisféricas (que permitiam muito melhor fluxo e eficiência na queima) tinha 400 cv declarados, mas o domínio da Plymouth na temporada de 1964, com Richard Petty conquistando oito vitórias e o título com uma larga vantagem, além de uma vitória tripla na Daytona 500, geraram desconfiança em Big Bill, que decidiu vetar o motor para o ano seguinte. Em resposta, a Chrysler decidiu boicotar a Nascar naquele ano.
O Hemi voltaria em 1966, mas naquele ano Bill comprou outra briga – desta vez, com a Ford, que estava trabalhando em um novo motor. O Ford FE SOHC “Cammer” era um V8 de 427 pol³ que estava em desenvolvimento para combater o Hemi 426 e, como o nome diz, tinha como principal característica o uso de comandos simples nos cabeçotes (single overhead camshaft, ou “SOHC”).
O Ford SOHC Cammer no dragster de arrancada de Don Prudhomme (leia mais sobre ele neste post)
Com os comandos de válvulas nos cabeçotes, as varetas que acionavam as válvulas poderiam ser eliminadas, possibilitando a adoção de dutos de admissão maiores e mais diretos. O rendimento do motor era melhor e, consequentemente, a potência cresceria. Digamos que a potência declarada era próxima dos 500 cv, mas na prática passava dos 600 cv.
Big Bill, contudo, achava que comandos nos cabeçotes eram algo exótico e europeu demais, e vetou a entrada do 427 Cammer na competição. A Ford não gostou nada disso e continuou desenvolvendo o motor na esperança de que Bill mudasse de ideia. Ainda que conseguisse muito sucesso nas pistas de arrancada e, pouco depois, desse origem ao motor do Ford GT40 que venceu as 24 Horas de Le Mans em 1966, o motor jamais foi usado na NASCAR, o que desagradou tanto a Ford que a marca também boicotou a categoria no início do ano.
Sem a Chrysler em 1965 e sem a Ford em 1966, a situação da categoria não ficou muito boa: havia poucos carros no grid, o que minguou o empenho das equipes e fez com que a quantidade de espectadores nas corridas diminuísse bastante.
Era preciso fazer alguma coisa, e então Bill foi procurar a Ford para fazer um acordo: um de seus pilotos, Fred Lorenzen, voltaria à Nascar pela Ford, com um carro projetado pelo ex-piloto vencedor de 50 corridas da Nascar, Junior Johnson, que recebeu certas concessões por parte de Big Bill para fazer um carro como bem quisesse.
Naquela época os carros da Nascar eram realmente stock – deveriam ser baseados nos modelos de produção, com carroceria fiel às formas originais. Junior Johnson decidiu ousar e criou um dos carros mais curiosos do grid.
O Ford Galaxie 1963 teve a carroceria toda modificada em nome da aerodinâmica. A inclinação do capô foi tão acentuada que o para-choque cobria uma parte dos faróis, o teto foi rebaixado entre 8 e 12 cm (depende da fonte) e o para-brisa, inclinado para trás em pelo menos 20° – modificações que permitiam que o carro cortasse o ar de forma mais eficiente.
Já os painéis da carroceria na traseira foram inclinados para cima, de modo a agir como um grande aerofólio e melhorar o downforce.
A suspensão também fora modificada, com o lado esquerdo do carro cerca de 8 cm mais baixo para compensar a inclinação da pista.
O resultado era um carro bem diferente do Galaxie de rua (dizem até que Lorenzen precisava de ajuda para entrar pela janela traseira, visto que o vão na dianteira era pequeno demais) e que, como dissemos, em condições normais jamais passaria na inspeção. Contudo, a organização da Nascar estava tão desesperada, procurando uma forma de atrair o público de volta, que simplesmente fingiu que estava tudo bem e liberou a participação do carro.
As modificações deram resultado: o carro se classificou em terceiro e liderou a prova até a metade da corrida. Contudo, a certa altura, o cubo de uma das rodas dianteira quebrou e o carro bateu no muro. Foi a única vez em que o carro competiu na Nascar, enquanto Lorenzen seguiu com sua carreira que, na época, estava no auge.
O piloto venceu 26 corridas, terminou entre os dez primeiros 84 vezes e conseguiu 32 pole positions em sua carreira, mas isto não impediu um jornalista, à época do acidente, de dizer que “nunca viu alguém conseguir pilotar uma banana a 240 km/h”, em alusão ao formato e à cor do carro. O apelido pegou, e o Galaxie é conhecido como Yellow Banana até hoje. Além disso, foi este o carro que começou a despertar o interesse de equipes e pilotos em usar perfis aerodinâmicos na Nascar.
Depois do acidente, o Galaxie recebeu uma nova carroceria, com as linhas convencionais, e competiu em ovais de terra por alguns anos antes de desaparecer do mapa. Em 2001, foi comprado pela Edelbrock, que o restaurou totalmente.
Em dezembro 2013, o carro voltou à Nascar. Não às corridas, obviamente, mas à exposição Glory Road 2.0, que celebra a história da categoria no Nascar Hall of Fame em Charlotte, na Carolina do Norte.